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CONTARDO CALLIGARIS
Corpo e mente
No número de dezembro
2005 do "Archive of General
Psychiatry" (vol. 62, nš 12), foi publicada uma pesquisa dirigida
por Janice Kiecolt-Glaser, do Institute for Behavioral Medicine
Research (instituto de pesquisa
em medicina comportamental)
da universidade de Ohio, EUA.
Seu tema: as interações conjugais
negativas e a cicatrização.
Foram escolhidos 42 casais, entre 22 e 77 anos. Nos braços de todos, maridos e mulheres, foram
criadas oito pequenas feridas, que
foram cobertas de maneira a medir as variações dos fluidos que o
corpo produz para facilitar a cicatrização.
Depois disso, os casais foram expostos a duas sessões de "conversa". A primeira foi orientada para que fosse uma troca agradável
sobre o que cada um queria modificar em seu comportamento
para melhorar a vida do casal. A
outra foi orientada para que os
casais brigassem (temas preferidos: dinheiro e sogros).
A pesquisa constatou que a cicatrização era sempre mais lenta
depois das brigas. Os casais mais
briguentos mostraram uma cicatrização que era apenas 60% da
dos outros.
É provável que os achados, já
bem significativos, subestimem o
impacto da hostilidade entre marido e mulher, pois se presume
que, em casa, as crises dos casais
briguentos sejam crônicas e mais
violentas do que sob observação
externa.
Conclusão: se você deve e pode
programar uma operação, tente
primeiro arrumar sua vida afetiva.
Conclusão mais genérica: a má
qualidade de uma relação e sua
desagregação agem no corpo e
são péssimas para a saúde.
É um ovo de Colombo. Alguém
poderia perguntar: por que essa
pesquisa, se ela comprova uma
obviedade que, intuitivamente,
todos sabemos desde sempre?
Pois é, pesquisas como essa,
aparentemente "inúteis", estão
mudando, aos poucos, nossa visão de nós mesmos.
Durante os últimos quatro ou
cinco séculos (no mínimo), fomos
fundamentalmente dualistas.
Ainda hoje, vivemos e pensamos
como se a mente e o corpo fossem
coisas separadas.
Graças a esse dualismo, nossa
ciência se desenvolveu com eficácia e rapidez. Se tivéssemos enxergado as infecções como conseqüência de sortilégios ou males do
espírito, não teríamos descoberto
a existência de bactérias e os antibióticos para matá-las.
Mas o custo foi grande: uma incapacidade de reconhecer o sujeito como um todo, corpo e mente.
Na medicina, admite-se a necessidade de atender com carinho e de
escutar um pouco as queixas do
paciente. Há médicos para reconhecer que o "estresse" faz mal
("Tire umas férias"). E há enfermidades para as quais "fatores
psicológicos" são reconhecidos como causas possíveis: certos casos
de pressão alta, algumas disfunções da tireóide e por aí vai. Mesmo nesses casos, o "psíquico" aparece como um fator que "contribui" à enfermidade e ele é quase
sempre genérico (o termo "estresse", por exemplo, quer dizer tudo
e nada).
A medicina não opera quase
nunca com o pressuposto de que o
"psíquico" seja, na verdade, uma
parte do "físico". Curioso, pois ele
é a experiência de transformações
químicas e neurônicas que são
impostas pelas circunstâncias da
vida e que agem sobre o conjunto
da subjetividade (corpo e mente).
Talvez as recentes pesquisas que
descobrem o "óbvio" anunciem
uma mudança cultural, um novo
convívio entre mente e corpo
-quem sabe, o fim de seu divórcio.
Parece que estamos, aos poucos,
descobrindo que nossa subjetividade não é dividida entre corpo e
mente. Nessa descoberta, aliás, a
psicologia deveria ter a tarefa de
definir e diferenciar afetos, emoções e relações com uma sutileza
que corresponda à sutileza das tomografias computadorizadas e
das análises bioquímicas. Seria
bom parar de associar as alterações do cérebro e do corpo, finamente descritas, com platitudes
psicológicas, como o fatídico "estresse". Falando em pesquisas que
descobrem o "óbvio", mais uma.
No decorrer deste ano, a revista
"Psychological Science" publicará
uma pesquisa de James A. Coan e
outros, que foi recentemente resumida na imprensa americana.
Foram escolhidos 16 casais muito felizes. A mulher de cada casal
foi inserida num tubo de ressonância magnética e lhe foi dito
que ela receberia uma leve descarga elétrica no tornozelo. As
imagens do cérebro mostraram,
em todas as mulheres, uma atividade intensa nas regiões envolvidas na expectativa de dor e emoções negativas. Foi suficiente que
o marido inserisse a mão no tubo
e tocasse sua mulher para que essa atividade cerebral diminuísse,
sempre e drasticamente.
Conclusão: o toque de uma pessoa querida é curativo e modifica
a atividade cerebral. Visto que a
sensação de dor física é ligada ao
nível de sua antecipação, uma
mão amada pode ser considerada
um sedativo eficiente.
Conclusão indireta: a rejeição
total sem contato físico não é só
uma punição psíquica, é também
uma agressão contra o corpo -se
é que faz sentido manter a distinção de corpo e mente.
Enfim, uma indicação: viver
sem tocar os que a gente ama (por
exemplo, criar filhos sem abraços
e carinho) significa condená-los a
uma dor que não é "só" psíquica.
@ - ccalligari@uol.com.br
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