São Paulo, sexta-feira, 06 de maio de 2005

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"CRUZADA"

Filme é inexpressivo como o rosto de seu ator principal

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Contrariado com a pergunta, Ridley Scott negou, em entrevista à Folha, nesta semana, que tenha feito seu novo filme "Cruzada" "deliberadamente como um paralelo histórico de nosso tempo". Não é preciso ir muito longe para desconfiar da ingenuidade de Scott.
As Cruzadas medievais -que os leitores me desculpem o bê-á-bá, e os historiadores, o grosso modo- foram um conjunto de expedições militar-religiosas, movimento (fundamentalista) cristão, cujo pretexto era deter a expansão turca no Oriente, o estandarte, o ideal de conquista da Terra Santa, e os reais fins, comerciais. De tal sorte que o presidente George W. Bush não deixou de cometer um ato falho ao batizar de cruzada sua guerra ao terror islâmico.
Foi justamente com a queda de uma cidade hoje iraquiana (na antiga Mesopotâmia) que começou a Segunda Cruzada de que trata Scott. Balian (Orlando Bloom) é um ferreiro enviuvado que não quer deixar a sua terra, mas se vê obrigado a ingressar numa cruzada, para salvar a alma de sua mulher suicida. No percurso, o herói desenvolve uma espécie particular (de acordo com a tradição americana) de ética, -a do caubói -, e deixa de falar em fé para falar em "ações corretas".
No entanto, "Cruzada" não chega a ser um filme fundamentalista cristão feito na esteira do sucesso de "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson. A perspectiva do filme é secular, de secularismo que o Ocidente só conheceu após as Cruzadas. Balian é o personagem que encarna essa perspectiva. Tornado cavaleiro, ele defende o reino de Jerusalém, em fase de paz ecumênica, contra os fanáticos de ambos os lados.
É certo que Scott, ciente de estar sobre um barril de pólvora, procurou não ferir a suscetibilidade de ninguém. Acabou realizando um filme tão inexpressivo quanto o rosto de seu ator principal.
O percurso de Balian é uma busca de legitimidade para a luta. O discurso de paz não passa de álibi para a guerra. Tudo para que os EUA voltem a se deleitar, sem culpa, com o velho teatro guerreiro de Hollywood.


Cruzada
Kingdom of Heaven
 
Direção: Ridley Scott
Produção: EUA/Espanha/ Inglaterra, 2005
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Interlagos e circuito


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