|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"CRUZADA"
Filme é inexpressivo como o rosto de seu ator principal
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Contrariado com a
pergunta, Ridley Scott
negou, em entrevista à Folha, nesta semana, que tenha
feito seu novo filme "Cruzada" "deliberadamente como
um paralelo histórico de
nosso tempo". Não é preciso
ir muito longe para desconfiar da ingenuidade de Scott.
As Cruzadas medievais
-que os leitores me desculpem o bê-á-bá, e os historiadores, o grosso modo- foram um conjunto de expedições militar-religiosas, movimento (fundamentalista)
cristão, cujo pretexto era deter a expansão turca no
Oriente, o estandarte, o ideal
de conquista da Terra Santa,
e os reais fins, comerciais. De
tal sorte que o presidente
George W. Bush não deixou
de cometer um ato falho ao
batizar de cruzada sua guerra ao terror islâmico.
Foi justamente com a queda de uma cidade hoje iraquiana (na antiga Mesopotâmia) que começou a Segunda Cruzada de que trata
Scott. Balian (Orlando
Bloom) é um ferreiro enviuvado que não quer deixar a
sua terra, mas se vê obrigado
a ingressar numa cruzada,
para salvar a alma de sua
mulher suicida. No percurso, o herói desenvolve uma
espécie particular (de acordo com a tradição americana) de ética, -a do caubói
-, e deixa de falar em fé para falar em "ações corretas".
No entanto, "Cruzada"
não chega a ser um filme
fundamentalista cristão feito
na esteira do sucesso de "A
Paixão de Cristo", de Mel
Gibson. A perspectiva do filme é secular, de secularismo
que o Ocidente só conheceu
após as Cruzadas. Balian é o
personagem que encarna essa perspectiva. Tornado cavaleiro, ele defende o reino
de Jerusalém, em fase de paz
ecumênica, contra os fanáticos de ambos os lados.
É certo que Scott, ciente de
estar sobre um barril de pólvora, procurou não ferir a
suscetibilidade de ninguém.
Acabou realizando um filme
tão inexpressivo quanto o
rosto de seu ator principal.
O percurso de Balian é
uma busca de legitimidade
para a luta. O discurso de
paz não passa de álibi para a
guerra. Tudo para que os
EUA voltem a se deleitar,
sem culpa, com o velho teatro guerreiro de Hollywood.
Cruzada
Kingdom of Heaven
Direção: Ridley Scott
Produção: EUA/Espanha/
Inglaterra, 2005
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Interlagos e circuito
Texto Anterior: Cinema/"A Outra Face da Raiva": Mike Binder desenterra cadáveres e tesouros Próximo Texto: "Mondovino": Documentário mostra embate entre indústria e tradição do vinho Índice
|