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Crítica/"Nova York Delirante"
Rem Koolhaas assina livro que combate retórica modernista
LUIZ RECAMÁN
ESPECIAL PARA A FOLHA
A distância histórica que
nos separa do livro-manifesto de Rem Kool
haas, "Nova York Delirante", de
1978, pode ser resumida em sua
quase impecável certeza: "O
acúmulo de possíveis desastres
[dos grandes arranha-céus de
Manhattan] nunca acontecem". Sim, acontecem.
Em um tom que evoca os textos de Le Corbusier dos anos
20, coube a esse holandês tentar reverter a imagem negativa
da metrópole americana, a
"Nova Amsterdã", entre urbanistas e arquitetos contemporâneos. Isso em meio ao ambiente intelectual dos anos 70, com a modernidade de origem
européia à deriva e com os ressurgimentos todos (historicismo, contextualismo, ecletismo
etc.) que levavam os embates
arquitetônicos para o campo
simbólico e lingüístico.
Nesse livro -que acaba de
ser lançado no Brasil- e depois
em sua destacada carreira como arquiteto e urbanista, ele
seria a voz isolada que procuraria inserir a arquitetura novamente no centro das necessárias transformações sociais do
mundo pós-fordista. Mas sua
posição era de "avançar", em
contraste com retroversão das
"vanguardas" arquitetônicas,
com a busca da autonomia da
disciplina e com a retórica tardia modernista daqueles anos
de difícil decifração, de reordenação produtiva e ideológica.
E, de novo, como Le Corbusier, buscou os germes dessa
transformação no seio da metrópole, no olho do furacão, garimpando suas forças de progresso. Mas, ao contrário do velho mestre, seus olhos se voltavam para a "Big Apple" delirante, decadente e quase falida do início dos anos setenta.
Ou melhor, tentando salvar
aquilo que ele denomina de
"manhattanismo", inovação
urbanística e social que perdurou de 1853 a 1939 (entre as
duas feiras mundiais): a "congestão" resultante do pragmatismo especular da dupla arranha-céu e retícula neutra e mental (o rigoroso sistema de
quadras novaiorquino). Uma
alternativa coetânea ao plano
moderno, corbusiano, simplificação formal e totalitária da
multiplicidade urbana e social.
Nova York seria o equilíbrio
instável entre ordem e caos que
permitiria a mais intensa experiência urbana, uma "flânerie"
ainda mais alucinante, em ritmo de Luna Park. Urbanidade
essa posta em risco por causa
dos retrocessos estilísticos e
ideológicos com os quais Koolhaas polemizava. O manhattanismo atrofiava, assim como o
ato de "comprar" (shopping) e
seus grandes edifícios de genética milenar, aos quais dedicou
outro livro mais recente.
Nesse sentido, como bom holandês, enfatiza a atividade
mercantil que antecede à sua
forma mercadoria e constitui o
processo socializador das cidades; seu desaparecimento, pelas novas formas de compra pela internet e telefone, ferem de morte o espaço da humanização dos homens.
Incomoda nesse pensador
aquilo que aparece como apologia ao neoliberalismo, assim
como incomoda em Le Corbusier sua defesa do mundo industrial capitalista. Seguem, no
entanto, a máxima moderna da
transformação a partir da
equação existente, na qual buscam os catalisadores.
Koolhaas tem sido o mais
provocador arquiteto das últimas décadas, cujas idéias resistem à cristalização, coisa difícil
de acontecer com o "jet set" do
qual faz parte. Ou resistiam,
pois talvez o delírio de Nova
York tenha virado uma miragem desértica em Dubai.
"Nova York Delirante" é um
livro ligado ao seu momento
histórico, cheio de idéias e
aproximações inquietadoras.
Entre nós, não chega a tempo
de provocar a inteligência arquitetônica, refratária a essa
urbanidade, ainda que disposta
a inserir alguns de seus resultados formais em seu repertório
de formas congeladas e já centenárias.
LUIZ RECAMÁN é professor do departamento
de arquitetura e urbanismo na USP São Carlos
NOVA YORK DELIRANTE
Autor: Rem Koolhaas
Tradução: Denise Bottmann
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 58 (268 págs.)
Avaliação: ótimo
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