São Paulo, terça-feira, 06 de maio de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Nova York Delirante"

Rem Koolhaas assina livro que combate retórica modernista

LUIZ RECAMÁN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A distância histórica que nos separa do livro-manifesto de Rem Kool haas, "Nova York Delirante", de 1978, pode ser resumida em sua quase impecável certeza: "O acúmulo de possíveis desastres [dos grandes arranha-céus de Manhattan] nunca acontecem". Sim, acontecem.
Em um tom que evoca os textos de Le Corbusier dos anos 20, coube a esse holandês tentar reverter a imagem negativa da metrópole americana, a "Nova Amsterdã", entre urbanistas e arquitetos contemporâneos. Isso em meio ao ambiente intelectual dos anos 70, com a modernidade de origem européia à deriva e com os ressurgimentos todos (historicismo, contextualismo, ecletismo etc.) que levavam os embates arquitetônicos para o campo simbólico e lingüístico.
Nesse livro -que acaba de ser lançado no Brasil- e depois em sua destacada carreira como arquiteto e urbanista, ele seria a voz isolada que procuraria inserir a arquitetura novamente no centro das necessárias transformações sociais do mundo pós-fordista. Mas sua posição era de "avançar", em contraste com retroversão das "vanguardas" arquitetônicas, com a busca da autonomia da disciplina e com a retórica tardia modernista daqueles anos de difícil decifração, de reordenação produtiva e ideológica.
E, de novo, como Le Corbusier, buscou os germes dessa transformação no seio da metrópole, no olho do furacão, garimpando suas forças de progresso. Mas, ao contrário do velho mestre, seus olhos se voltavam para a "Big Apple" delirante, decadente e quase falida do início dos anos setenta.
Ou melhor, tentando salvar aquilo que ele denomina de "manhattanismo", inovação urbanística e social que perdurou de 1853 a 1939 (entre as duas feiras mundiais): a "congestão" resultante do pragmatismo especular da dupla arranha-céu e retícula neutra e mental (o rigoroso sistema de quadras novaiorquino). Uma alternativa coetânea ao plano moderno, corbusiano, simplificação formal e totalitária da multiplicidade urbana e social.
Nova York seria o equilíbrio instável entre ordem e caos que permitiria a mais intensa experiência urbana, uma "flânerie" ainda mais alucinante, em ritmo de Luna Park. Urbanidade essa posta em risco por causa dos retrocessos estilísticos e ideológicos com os quais Koolhaas polemizava. O manhattanismo atrofiava, assim como o ato de "comprar" (shopping) e seus grandes edifícios de genética milenar, aos quais dedicou outro livro mais recente.
Nesse sentido, como bom holandês, enfatiza a atividade mercantil que antecede à sua forma mercadoria e constitui o processo socializador das cidades; seu desaparecimento, pelas novas formas de compra pela internet e telefone, ferem de morte o espaço da humanização dos homens.
Incomoda nesse pensador aquilo que aparece como apologia ao neoliberalismo, assim como incomoda em Le Corbusier sua defesa do mundo industrial capitalista. Seguem, no entanto, a máxima moderna da transformação a partir da equação existente, na qual buscam os catalisadores.
Koolhaas tem sido o mais provocador arquiteto das últimas décadas, cujas idéias resistem à cristalização, coisa difícil de acontecer com o "jet set" do qual faz parte. Ou resistiam, pois talvez o delírio de Nova York tenha virado uma miragem desértica em Dubai.
"Nova York Delirante" é um livro ligado ao seu momento histórico, cheio de idéias e aproximações inquietadoras.
Entre nós, não chega a tempo de provocar a inteligência arquitetônica, refratária a essa urbanidade, ainda que disposta a inserir alguns de seus resultados formais em seu repertório de formas congeladas e já centenárias.


LUIZ RECAMÁN é professor do departamento de arquitetura e urbanismo na USP São Carlos

NOVA YORK DELIRANTE
Autor:
Rem Koolhaas
Tradução: Denise Bottmann
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 58 (268 págs.)
Avaliação: ótimo


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Reality show: Snoop Dogg mostra sua vida em família
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.