São Paulo, quarta-feira, 06 de maio de 2009

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MARCELO COELHO

Vírus, gripes, notícias


A disseminação de notícias segue o modelo da contaminação viral; ainda bem que seja assim


FALA-SE NO "pânico" originado pela gripe suína. A palavra traz uma conotação crítica. O tal pânico seria injustificável; a mídia embarca nisso, adora notícias ruins, e as manchetes de um jornal servem para vender jornal.
Não concordo com essa visão. Tenho dois argumentos contra críticas de tal gênero, mas reconheço que talvez sejam contraditórias. Primeira crítica. Que pânico? Não vejo à minha volta ninguém em pânico. A Virada Cultural reuniu, segundo as autoridades, 4 milhões de pessoas em São Paulo, e ninguém, aparentemente, usava máscaras cirúrgicas. Que as usem no México, e de modo irracional (as máscaras deixam de funcionar depois de duas horas), não é exatamente um sintoma de pânico.
Pode ser moda, no que a moda possui de expressão de um senso de coletividade ausente de nossa experiência cotidiana. Pode ser uma moda especialmente bem pensada: pois unifica a característica básica de nossos tempos (a proteção, o resguardo, a defesa dos interesses individuais) com a nostalgia do interesse coletivo, da igualdade, da uniformização. Mas é, acima de tudo, um ato racional diante de um perigo concreto.
Chego à segunda crítica contra quem reclama do uso da palavra "pânico". Se noticiam algo como uma pandemia no jornal, é óbvio que tomarei minhas precauções. Seria irracional o indivíduo que não entrasse em "pânico" em ocasiões de perigo. Não é irracional quem cuidar de lavar as mãos com mais frequência, e procurar o médico ao menor sintoma de gripe.
O fato é que, no mundo contemporâneo, as informações circulam com a mesma velocidade das epidemias. O crítico que se volta contra a disseminação "pânica" das informações erra de objeto. Gostaria de combater o vírus, mas condena a informação. Seria péssimo se um verdadeiro pânico se alastrasse. Mexicanos seriam fuzilados na fronteira, nenhum paulistano participaria da Virada Cultural. Mas nada disso acontece.
O que predomina é o velho bom senso humano, que leva mexicanos a suspenderem aulas e brasileiros a continuar com a vida normal. Informação não faz mal a ninguém. A ideia de que alertas sobre a gripe suína são exagerados reflete, em última análise, o medo (este sim, próximo do pânico) de que a população ignorante aceita qualquer alerta de doença como pretexto para um pandemônio.
Queremos ver, na gripe suína, tanto um pânico que não existe, quanto uma pandemia que talvez não seja tão séria assim. Não entendo do assunto. Mas recomendo o livro de Stefan Ujvari, médico do hospital Oswaldo Cruz, intitulado a "A História da Humanidade Contada pelos Vírus". Foi publicado pela editora Contexto, no ano passado.
Não fossem os vírus, diz o autor, o ser humano não teria desenvolvido mecanismos para fixar o embrião na parede do útero. A varíola matou multidões mesmo depois de existir vacina contra a doença. Sabe qual o causador da varíola?
O camelo. Num capítulo fascinante, Stephan Ujvari conta de que modo a domesticação dos animais, essencial para o êxito contemporâneo da espécie humana, foi também a festa dos vírus.
Comparativamente, o camelo foi inocente se comparado aos animais responsáveis pelo sarampo. O deserto do Saara, conta o autor, foi uma eficiente barreira contra o sarampo, uma vez que só camelos (imunes à doença) eram capazes de atravessá-lo.
Apesar de já existir vacina, o sarampo mata meio milhão de crianças por ano. Donde se vê, com razão, o que há de errado com o pânico em torno da gripe suína. O sarampo nasce de uma peste bovina. Vacas cercadas produzem leite para alimentar crianças, ao mesmo tempo em que disseminam os vírus que irão matá-las. A extrema contradição (e, diríamos, a extrema imoralidade) da natureza surge em explicações didáticas, mas não fáceis, neste livro de Stefan Ujvari.
Lendo o que ele conta, não entro em pânico. Mas me convenço que toda precaução é pouca, diante de um inimigo, a morte, que está à espreita de cada um de nós. A informação, no caso, é um subcapítulo da biologia. A espécie humana, caracterizada por seu gosto pela troca de informações, trata de se virar como pode. Não chamem isso de pânico: é pura estratégia de sobrevivência.

coelhofsp@uol.com.br


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