São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2010

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Crítica/"Policarpo"

Protagonista arrebata público com segurança

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O teatro e a literatura se atraem e se estranham.
"Policarpo Quaresma" justapõe a linguagem cênica consagrada por Antunes Filho ao mais famoso romance de Lima Barreto (1881-1922) sem alcançar uma síntese superior. A prosa irônica do escritor corre em paralelo à cena fluente do encenador e não chega a ocorrer uma fusão plena.
Verdade que há momentos brilhantes, em que o livro se transmuta em matéria cênica e supera essa dicotomia. Mas, no geral, sem prejuízo do esforço coletivo do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) em mais uma realização de mérito, fica aquém de outras transposições de grandes romances feitas por Antunes Filho.
No trato com "Triste Fim de Policarpo Quaresma", já não há a surpresa de "Macunaíma" (1978), que demarcou uma inflexão na sua trajetória pelas três décadas seguintes, nem a retomada daquele estilo inaugural, como em "A Pedra do Reino" (2006). Há, sim, a confirmação de uma fórmula que, como tal, carrega o ônus da redundância.
Ali estão os movimentos transversais do coro aglomerado no palco vazio, os guarda-chuvas e ricos adereços pontuais, o farsesco que beira o sublime, os solos surpreendentes e a trilha sonora eloquente.
Por um lado, é belo perceber um grande artista confirmando suas marcas. Por outro, há o reconhecimento de uma teatralidade datada e que, se ainda impacta, se revela em vias de se esgotar.

Adaptação
A dramaturgia, assinada por Antunes, é outro problema. Durante dois terços do espetáculo, que coincidem com a primeira e segunda partes do romance, a adaptação é feliz, pois, sem desperdiçar quase nada, alcança leveza e fluidez notáveis, transformando em cenas luminosas os quadros que Lima Barreto traçou da vida suburbana do Rio de Janeiro do fim do século 19.
Na parte final, porém, que inclui todo o conturbado período pós-Proclamação da República e da chamada "Revolta da Armada", o livro parece pesar sobre a encenação. Incumbida da narrativa, ela patina e se arrasta. Isso, talvez, pela dificuldade de focar, na consciência do herói quixotesco, o fim de suas ilusões, principalmente com o regime militar, o que a prosa literária fez com minúcia.
A compensar esses problemas, ressalte-se a composição de Lee Thalor para Quaresma, personagem de espírito puro, cujo patriotismo doentio e integridade radical levam-no à perdição.
Seguro e senhor do jogo teatral, Thalor, que estreou no CPT em "A Pedra do Reino", volta a criar uma interpretação virtuosa que arrebata o público, como no sapateado ao som do Hino Nacional. Colabora nesse êxito um coro de 21 intérpretes, de onde despontam os outros personagens da trama.
Outro destaque são os figurinos de Rosângela Ribeiro. Com uma base em preto e branco, elementos como a bandeira brasileira e outros detalhes cromáticos sobressaem intensamente e conspiram para o deslumbre visual A pena é que, a despeito desses sucessos, em "Policarpo Quaresma" o teatro não se emancipa plenamente da literatura, como Antunes já conseguira outrora. Aqui o romance lhe pesa mais do que o liberta.


POLICARPO QUARESMA

Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 6/6
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 12 anos
Avaliação: bom




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