São Paulo, quarta, 6 de maio de 1998

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BALANÇO
Clãs musicais disputam platéias em Nova Orleans

CARLOS CALADO
enviado especial a Nova Orleans

Três clãs musicais de Nova Orleans proporcionaram alguns dos melhores momentos do último fim-de-semana do New Orleans Jazz & Heritage Festival, que terminou na noite de domingo.
A disputa sonora foi deflagrada logo no início da tarde de sexta-feira. O baterista Jason e o trombonista Delphayo Marsalis revelaram uma nova faceta da famosa família jazzística, tocando com a banda Los Hombres Calientes.
O nome do grupo soa meio gay, mas trata-se, na verdade, de uma incursão pelo jazz afro-cubano, que inclui até uma versão salseira de "Night in Tunisia" (de Dizzy Gillespie), liderada pelo trompetista Irvin Mayfield.
Nos bastidores, observando as 3.000 pessoas que se espremiam na tenda de jazz, o patriarca Ellis Marsalis teve que esperar até o fim da tarde do domingo para defender o time da família, em concerto anunciado para o mesmo palco.
Se os Marsalis surgem como verdadeiros ídolos da platéia de Nova Orleans, o mesmo não aconteceu com a família Jordan. Apesar de ser um ótimo trompetista, Marlon Jordan não chegou a preencher todas as cadeiras da tenda, durante seu show na última sexta-feira.
O problema, talvez, esteja no fato de Marlon não ser exatamente um compositor. Seu repertório, composto por standards de Wayne Shorter e John Coltrane, entre outros mestres do gênero, soa um tanto "déja-vu".
Se há alguém com personalidade na família, esse é certamente o veterano saxofonista Fielder Jordan (pai de Marlon e do flautista Kent), que abriu a tarde de sábado, no mesmo palco, com uma furiosa sessão de "free jazz".
Quanto mais o saxofonista e sua banda rejeitavam o tonalismo e o ritmo regular, com direito a muitos guinchos e piano martelado, maior era o número de espectadores que saía da tenda, assustados com a violência sonora do grupo.
É um caso curioso de conflito de gerações musicais. Enquanto o irreverente velhinho continua defendendo a estética vanguardista dos anos 60, seu filho veste os ternos Armani e o bom-mocismo do "bebop" à década de 90.
Bem diferente é a relação musical do clã comandado pelos veteranos Neville Brothers, incontestáveis ídolos locais, que foram escolhidos para encerrar o festival, em seu maior palco: o Ray Ban.
Além desse festivo e grandioso final, que se tornou uma espécie de ritual anual, os quatro irmãos também apresentaram seus trabalhos individuais.
Na semana passada, o saxofonista Charles Neville mostrou seu apego pelo improviso, à frente do Jazz Ensemble. O vocalista Cyril preferiu atacar de reggae e funk, na sexta-feira, com os Uptown Stars. Já o tecladista Art reencontrou o velho parceiro George Porter Jr., na banda Funky Meters.
Sem falar na apresentação da cantora Charmaine Neville (filha de Charles), que esbanjou sensualidade e energia, na tarde de sexta-feira, bem acompanhada pelo sax tenor de Reggie Houston.
O clã dos Neville é a prova mais consistente de que, na cidade chamada de berço do jazz ouve-se e toca-se quase tudo.


O jornalista Carlos Calado viajou a convite do Bourbon Street Music Club.



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