São Paulo, sexta, 6 de junho de 1997.



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Chega ao Brasil "Marcello Mastroianni - La Bella Vita"; biografia mostra os casos amorosos do ator morto no ano passado
Livro expõe Mastroianni, o homem das 116 mulheres

AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas

Apesar de recusar-se até a morte em escrever suas memórias, Marcello Mastroianni (1924-1996) não saiu de cena sem nos furtar um último depoimento autobiográfico. Não um, mas dois.
O primeiro acaba de chegar às livrarias brasileiras, simultaneamente ao lançamento da tradução francesa e depois de vender mais de 200 mil cópias na Itália. É "Marcello Mastroianni - La Bella Vita", escrito pelo renomado jornalista Enzo Biagi, amigo e contemporâneo do astro de "Oito e Meio" (1963).
Já o segundo depoimento teve sua versão cinematográfica lançada no último festival de Cannes. Chama-se "Mi Ricordo, Si, Io mi Ricordo" (Me Lembro, Sim, Eu me Lembro) e é assinado por sua última companheira, Anna Maria Tató (leia texto abaixo).
Pelo preço aproximado de dois ingressos de cinema (R$ 15), "La Bella Vita" oferece um valioso retrato contextualizado de Mastroianni. Não se trata de um livro tradicional de entrevistas. Nele, Mastroianni expõe a privacidade que muito lutou para preservar.
Mas Biagi vai além, estruturando o volume de forma a revelar, a partir de associações com a vida do ator, o itinerário de toda uma geração, que é aquela do imediato pós-guerra italiano.
Mastroianni é por certo o protagonista, mas Biagi não se intimida em ocupar seu próprio espaço e contar também suas memórias do encontro com alguns dos grandes nomes da cena artística pós-fascismo.
Assim, destacam-se entre os grandes personagens do livro o ator Vittorio Gassman, as atrizes Sophia Loren e Silvana Mangano, os diretores Luchino Visconti, Federico Fellini, Pietro Germi e Michelangelo Antonioni.
O diálogo Mastroianni-Biagi parece ir mais longe do que o mantido pelo ator com Tató, ainda que falte ver a versão longa (quatro horas) de seu filme. Naturalmente há inúmeras passagens comuns entre livro e filme, reconstituindo ambos de forma algo desordenada a trajetória do ator.
Família simples
Marcello Mastroianni nasceu numa família simples, de pai carpinteiro e mãe dona de casa. Ganhava a vida como contador e fazia teatro universitário ao lado de uma garota espevitada de nome Giulieta Masina quando um administrador da companhia teatral de Luchino Visconti o descobriu. Era o homem certo na hora certa.
"O drama era 'Um Bonde Chamado Desejo', protagonizado por (Vittorio) Gassman", lembra Mastroianni. "Eu interpretava Mitch, namorado de Blanche, que era Rina Morelli."
De uma só vez, dois encontros fundamentais: Visconti e Gassman, o principal mestre e o primeiro grande colega de ofício.
"Visconti me lançou no teatro e ensinou-me boa parte do que sei", reconhece o ator. Do palco às telas foi um pulo para um intérprete sobretudo intuitivo. Pontas e papéis minúsculos o acompanhavam desde o teatro universitário, mas a hora da virada, segundo o próprio Mastroianni, deu-se quando Alessandro Blasetti o descobriu na trupe de Visconti, convidando-o a protagonizar "Bela e Canalha" (1955).
Nasciam aí uma carreira e um dos mais míticos pares do cinema falado: Sophia Loren-Marcello Mastroianni.
"A mulher com quem tive a história mais longa é Sophia", assume o ator. Em mais de 40 anos, foram mais de dez filmes, como "Matrimônio à Italiana" (1964), de Vittorio De Sica, "Um Dia Especial", de Ettore Scola (1977), e o recente "Prêt-À-Porter" (1996), de Robert Altman. Apenas a morte interrompeu a parceria.
Fellini
Se Loren é a referência feminina básica, Federico Fellini surge como o parceiro essencial. "Visconti é o professor (...) Já Fellini, pelo contrário, era o colega de escola", distingue o ator.
O cineasta responde no mesmo tom: "Verdadeira amizade de ginásio. (...) Passamos horas batendo papo, nunca nos cansamos. É um ator magnífico, mas é sobretudo um homem de uma bondade encantadora, de uma generosidade espantosa. Leal demais para o ambiente em que vive".
Não surpreende, assim, que Mastroianni no livro refira-se a apenas dois filmes como obras-primas: "A Doce Vida" (1960) e "Oito e Meio".
Amigo também de Fellini, Biagi dedica as mais divertidas páginas do livro às anedotas sobre o cineasta. Já o fogo mais pesado volta-se contra a "frieza" de Antonioni. "Fiz com ele 'A Noite' e não fiquei feliz", reconhece Mastroianni. "Mesmo competente, ele não transmitia calor. Além disso, declarava que os atores para ele eram objetos em uma composição pictórica ou cenográfica."
Mais do que revelações profissionais, é a vida pessoal de Mastroianni que distingue livro e filme. Logo nas primeiras páginas, o ator procura quebrar as expectativas: "eu não posso falar das coisas mais íntimas, mais secretas".
Escorando-se na cumplicidade, Biagi dá um jeito de ultrapassar os limites. "Existem geômetras que tiveram mais casos que eu", garante Mastroianni. "Não é verdade que eu seja um Casanova."
Enzo Biagi dá números: foram 116 conquistas. E de especular nomes: Jeanne Moreau, Ursula Andress, Claudia Cardinale, Anita Ekberg, Monica Vitti, Julie Andrews, Shirley McLaine.
Foram os amores transitórios. Apenas quatro inscrevem-se entre os essenciais -e Mastroianni depõe sobre cada um deles. Flora Carabella Mastroianni foi desde 1950 a esposa oficial, de quem Marcello jamais ousou se divorciar e com quem teve a primeira filha, Barbara. "É minha mulher."
Duas atrizes alcançaram esse panteão amoroso: Catherine Deneuve, mãe da segunda filha, Chiara, e Faye Dunaway, paixão tão fulminante quanto breve. Fecha a lista a cineasta Anna Maria Tató, companheira dos 22 últimos anos de vida do ator.
"Uma dama muito valorosa. Uma bela garota. Muito honesta, muito correta", resume o ator. Dentro e fora das telas, Mastroianni foi um cavalheiro até o fim.

Livro: Marcelo Mastroianni - La Bella Vita
Autor: Enzo Biagi Lançamento: Ediouro Quanto: R$ 15 (174 págs.)




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