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Chega ao Brasil
"Marcello
Mastroianni -
La Bella Vita"; biografia mostra os casos amorosos do ator morto no ano passado
Livro expõe Mastroianni, o homem das 116 mulheres
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
Apesar de recusar-se até a morte
em escrever suas memórias, Marcello Mastroianni (1924-1996) não
saiu de cena sem nos furtar um último depoimento autobiográfico.
Não um, mas dois.
O primeiro acaba de chegar às livrarias brasileiras, simultaneamente ao lançamento da tradução
francesa e depois de vender mais
de 200 mil cópias na Itália. É
"Marcello Mastroianni - La Bella
Vita", escrito pelo renomado jornalista Enzo Biagi, amigo e contemporâneo do astro de "Oito e
Meio" (1963).
Já o segundo depoimento teve
sua versão cinematográfica lançada no último festival de Cannes.
Chama-se "Mi Ricordo, Si, Io mi
Ricordo" (Me Lembro, Sim, Eu me
Lembro) e é assinado por sua última companheira, Anna Maria Tató (leia texto abaixo).
Pelo preço aproximado de dois
ingressos de cinema (R$ 15), "La
Bella Vita" oferece um valioso retrato contextualizado de Mastroianni. Não se trata de um livro
tradicional de entrevistas. Nele,
Mastroianni expõe a privacidade
que muito lutou para preservar.
Mas Biagi vai além, estruturando
o volume de forma a revelar, a partir de associações com a vida do
ator, o itinerário de toda uma geração, que é aquela do imediato
pós-guerra italiano.
Mastroianni é por certo o protagonista, mas Biagi não se intimida
em ocupar seu próprio espaço e
contar também suas memórias do
encontro com alguns dos grandes
nomes da cena artística pós-fascismo.
Assim, destacam-se entre os
grandes personagens do livro o
ator Vittorio Gassman, as atrizes
Sophia Loren e Silvana Mangano,
os diretores Luchino Visconti, Federico Fellini, Pietro Germi e Michelangelo Antonioni.
O diálogo Mastroianni-Biagi parece ir mais longe do que o mantido pelo ator com Tató, ainda que
falte ver a versão longa (quatro horas) de seu filme. Naturalmente há
inúmeras passagens comuns entre
livro e filme, reconstituindo ambos de forma algo desordenada a
trajetória do ator.
Família simples
Marcello Mastroianni nasceu
numa família simples, de pai carpinteiro e mãe dona de casa. Ganhava a vida como contador e fazia
teatro universitário ao lado de
uma garota espevitada de nome
Giulieta Masina quando um administrador da companhia teatral de
Luchino Visconti o descobriu. Era
o homem certo na hora certa.
"O drama era 'Um Bonde Chamado Desejo', protagonizado por
(Vittorio) Gassman", lembra Mastroianni. "Eu interpretava Mitch,
namorado de Blanche, que era Rina Morelli."
De uma só vez, dois encontros
fundamentais: Visconti e Gassman, o principal mestre e o primeiro grande colega de ofício.
"Visconti me lançou no teatro e
ensinou-me boa parte do que sei",
reconhece o ator. Do palco às telas
foi um pulo para um intérprete sobretudo intuitivo. Pontas e papéis
minúsculos o acompanhavam
desde o teatro universitário, mas a
hora da virada, segundo o próprio
Mastroianni, deu-se quando Alessandro Blasetti o descobriu na trupe de Visconti, convidando-o a
protagonizar "Bela e Canalha"
(1955).
Nasciam aí uma carreira e um
dos mais míticos pares do cinema
falado: Sophia Loren-Marcello
Mastroianni.
"A mulher com quem tive a história mais longa é Sophia", assume
o ator. Em mais de 40 anos, foram
mais de dez filmes, como "Matrimônio à Italiana" (1964), de Vittorio De Sica, "Um Dia Especial", de
Ettore Scola (1977), e o recente
"Prêt-À-Porter" (1996), de Robert
Altman. Apenas a morte interrompeu a parceria.
Fellini
Se Loren é a referência feminina
básica, Federico Fellini surge como o parceiro essencial. "Visconti
é o professor (...) Já Fellini, pelo
contrário, era o colega de escola",
distingue o ator.
O cineasta responde no mesmo
tom: "Verdadeira amizade de ginásio. (...) Passamos horas batendo papo, nunca nos cansamos. É
um ator magnífico, mas é sobretudo um homem de uma bondade
encantadora, de uma generosidade espantosa. Leal demais para o
ambiente em que vive".
Não surpreende, assim, que
Mastroianni no livro refira-se a
apenas dois filmes como
obras-primas: "A Doce Vida"
(1960) e "Oito e Meio".
Amigo também de Fellini, Biagi
dedica as mais divertidas páginas
do livro às anedotas sobre o cineasta. Já o fogo mais pesado volta-se contra a "frieza" de Antonioni. "Fiz com ele 'A Noite' e não
fiquei feliz", reconhece Mastroianni. "Mesmo competente,
ele não transmitia calor. Além disso, declarava que os atores para ele
eram objetos em uma composição
pictórica ou cenográfica."
Mais do que revelações profissionais, é a vida pessoal de Mastroianni que distingue livro e filme. Logo nas primeiras páginas, o
ator procura quebrar as expectativas: "eu não posso falar das coisas
mais íntimas, mais secretas".
Escorando-se na cumplicidade,
Biagi dá um jeito de ultrapassar os
limites. "Existem geômetras que
tiveram mais casos que eu", garante Mastroianni. "Não é verdade que eu seja um Casanova."
Enzo Biagi dá números: foram
116 conquistas. E de especular nomes: Jeanne Moreau, Ursula Andress, Claudia Cardinale, Anita
Ekberg, Monica Vitti, Julie Andrews, Shirley McLaine.
Foram os amores transitórios.
Apenas quatro inscrevem-se entre
os essenciais -e Mastroianni depõe sobre cada um deles. Flora Carabella Mastroianni foi desde 1950
a esposa oficial, de quem Marcello
jamais ousou se divorciar e com
quem teve a primeira filha, Barbara. "É minha mulher."
Duas atrizes alcançaram esse
panteão amoroso: Catherine Deneuve, mãe da segunda filha, Chiara, e Faye Dunaway, paixão tão
fulminante quanto breve. Fecha a
lista a cineasta Anna Maria Tató,
companheira dos 22 últimos anos
de vida do ator.
"Uma dama muito valorosa.
Uma bela garota. Muito honesta,
muito correta", resume o ator.
Dentro e fora das telas, Mastroianni foi um cavalheiro até o fim.
Livro: Marcelo Mastroianni - La Bella Vita
Autor: Enzo Biagi
Lançamento: Ediouro
Quanto: R$ 15 (174 págs.)
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