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"TOLERÂNCIA ZERO"
Diretor baseou-se na história de Daniel Burros, preso nos anos 70 em reunião da Ku Klux Klan
Filme faz retrato em preto e branco do sionismo americano
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Para o romancista José Saramago, que se meteu há pouco
tempo numa polêmica ao comparar as atitudes dos israelenses para com palestinos ao que os nazistas faziam com os judeus, um filme como "Tolerância Zero" seria
um prato cheio.
Ele é a contraditória história de
um judeu hitlerista, um skinhead
que faz furor nos maçônicos círculos neofascistas nova-iorquinos
com suas teses anti-semitas, enquanto tenta recalcar o seu judaísmo de origem. O filme de Henry
Bean é inspirado na história de
Daniel Burros, um jovem que foi
preso, nos anos 70, numa reunião
da Ku Klux Klan e se suicidou
após ter sua origem judia divulgada por um repórter do "The New
York Times", para quem tinha
feito um discurso anti-semita.
A escritora Hannah Arendt costumava dizer que o povo judeu,
que da Idade Média à modernidade foi levado sucessivamente à
conversão, à diáspora e ao extermínio, "povo eleito" como vítima
do projeto cristão-ocidental, não
podia assimilar-se a não ser assimilando também o anti-semitismo. A radicalidade desse pensamento é reproduzida no filme de
maneira tortuosa e obscurantista.
"Tolerância Zero" começa com
a perseguição do skinhead Danny
(Ryan Gosling) a um judeu que é
o estereótipo da vítima passiva,
vítima da condição de refém a que
seu povo foi, historicamente, relegado. O diretor Bean repercute,
nessa relação entre Danny e suas
vítimas, o mesmo teor sadomasô
que Liliana Cavani explorava no
clássico "O Porteiro da Noite", em
que o velho carrasco nazista e sua
judia predileta reencontravam-se
no pós-guerra para consumar
seus laços de sangue. Se Danny
mantém esse tipo de relação não
apenas com suas vítimas, mas
com todos à sua volta, é porque,
obviamente, é o tipo de relação
que mantém consigo mesmo.
A produtora de Bean chama-se
Fuller Films, e Danny, em suas
pulsões autodestrutivas, é um
personagem de filiação fulleriana,
violento, contraditório, agente
duplo duplamente culpado. Por
sua virulência, Fuller foi tido pela
crítica francesa de esquerda como
um direitista vulgar. Incapaz de se
distanciar dos atos e palavras de
seu protagonista, enamorado pela
radicalidade dele, o diretor Henry
Bean incorre no mesmo perigo.
Tanto mais que suas escolhas
são equívocas: Danny, o judeu recalcado, deixa-se comover pelos
ornamentos de uma sinagoga que
saqueia, mas é implacável diante
do depoimento de judeus sobreviventes do Holocausto.
A esses, ele e seu grupo neofascista aplicam a velha "política do
esquecimento" que sempre vitimou os judeus. Política que os
sionistas nova-iorquinos, a verdadeira direita americana, aplicam
hoje aos palestinos, quando chegam a negar que estes habitavam
a Palestina antes de 1948, ano da
fundação do Estado israelense.
Nesse sentido, Danny, o judeu
que, em sonho, identifica-se mais
com um carrasco nazista do que
com sua vítima, não deixa de ser
um triste retrato em preto e branco do sionismo americano.
Tolerância Zero
The Believer
Produção: EUA, 2001
Direção: Henry Bean
Com: Ryan Gosling, Theresa Russell
Quando: a partir de hoje nos cines Frei
Caneca Unibanco Arteplex, Villa-Lobos e
Belas Artes
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