São Paulo, sábado, 06 de junho de 2009

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crítica

Coletânea abre melhor fase do autor catalão

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em sua última entrevista, após lhe perguntarem se já havia pensado em suicídio, Roberto Bolaño respondeu que sim, afirmando ter sobrevivido a certas ocasiões por saber que podia se suicidar, caso as coisas piorassem. Tal afirmação, estando ele à beira da morte por uma doença hepática (a entrevista foi publicada em julho de 2003, mês em que o escritor morreu), deixava patente seu humor eivado de melancolia.
Bolaño poderia ter sido personagem de "Suicídios Exemplares", publicado em 1991 por seu amigo Enrique Vila-Matas e agora lançado no Brasil, um volume de contos que trata da obsessão pelo tema e também da opção por não cometê-lo.
No "pessoano" prefácio ao livro, Vila-Matas o anuncia como um mapa no qual buscará se "orientar no labirinto do suicídio", ansiando pelo mesmo fim estoico de certo personagem de Savinio, um romano que, passadas as atribulações da vida, suicidou-se de maneira ousada e na plenitude de uma paixão, "pois não desejava diluir-se na obscuridade com o passar dos anos".
Torna-se impossível não pensar em Jean-Paul Sartre e em sua defesa do suicídio como trincheira última da liberdade, assim como na antecipação estatutária das preocupações futuras de Vila-Matas, que ressurgiriam mais obsessivas em livros seguintes como "Bartleby e Companhia", "O Mal de Montano" e "Doutor Pasavento". Os desertores da literatura perscrutados em "Bartleby", além dos enfermos literários representados por Montano e Pasavento, são precedidos em larga escala pelos suicidas indecisos de "Suicídios Exemplares", cujo precursor ideal é o escrivão Bartleby em pessoa, que entre matar-se e não se matar, certamente preferiria não o fazer.
Menos afeita aos finais trágicos e próxima ao nascimento pleno em bons augúrios, "Suicídios Exemplares" é a primeira coletânea de contos de Vila-Matas, além de anúncio de sua fase mais notável, a que viria a seguir com experiências metaliterárias e aproximação da narrativa ao ensaio. Insuflados pela nostalgia e pelo lirismo mixado ao estranho senso de humor do catalão, tão típico de um tarado tímido, alguns personagens alcançam, porém, a morte desejada.
É assim que esses quase-suicidas de filmes mudos ensaiam sua saída pela porta dos fundos sem nunca alcançá-la, como se pertencessem à horda de Carlitos e Busters Keatons dançando na chuva à espera do relâmpago. São todos "bons vivants" sub-reptícios, os suicidas exemplares de Vila-Matas, que, em protesto contra a estupidez do mundo, tornaram-se "bons mourants".
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).


SUICÍDIOS EXEMPLARES

Autor: Enrique Vila-Matas
Tradução: Carla Branco
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 45 (208 págs.)
Avaliação: ótimo




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