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crítica
Coletânea abre melhor fase do autor catalão
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em sua última entrevista, após lhe perguntarem se já havia
pensado em suicídio, Roberto Bolaño respondeu que
sim, afirmando ter sobrevivido a certas ocasiões por saber que podia se suicidar, caso as coisas piorassem. Tal
afirmação, estando ele à beira da morte por uma doença
hepática (a entrevista foi publicada em julho de 2003,
mês em que o escritor morreu), deixava patente seu humor eivado de melancolia.
Bolaño poderia ter sido
personagem de "Suicídios
Exemplares", publicado em
1991 por seu amigo Enrique
Vila-Matas e agora lançado
no Brasil, um volume de contos que trata da obsessão pelo tema e também da opção
por não cometê-lo.
No "pessoano" prefácio ao
livro, Vila-Matas o anuncia
como um mapa no qual buscará se "orientar no labirinto
do suicídio", ansiando pelo
mesmo fim estoico de certo
personagem de Savinio, um
romano que, passadas as
atribulações da vida, suicidou-se de maneira ousada e
na plenitude de uma paixão,
"pois não desejava diluir-se
na obscuridade com o passar
dos anos".
Torna-se impossível não
pensar em Jean-Paul Sartre
e em sua defesa do suicídio
como trincheira última da liberdade, assim como na antecipação estatutária das
preocupações futuras de Vila-Matas, que ressurgiriam
mais obsessivas em livros seguintes como "Bartleby e
Companhia", "O Mal de
Montano" e "Doutor Pasavento". Os desertores da literatura perscrutados em
"Bartleby", além dos enfermos literários representados
por Montano e Pasavento,
são precedidos em larga escala pelos suicidas indecisos
de "Suicídios Exemplares",
cujo precursor ideal é o escrivão Bartleby em pessoa, que
entre matar-se e não se matar, certamente preferiria
não o fazer.
Menos afeita aos finais trágicos e próxima ao nascimento pleno em bons augúrios, "Suicídios Exemplares"
é a primeira coletânea de
contos de Vila-Matas, além
de anúncio de sua fase mais
notável, a que viria a seguir
com experiências metaliterárias e aproximação da narrativa ao ensaio. Insuflados
pela nostalgia e pelo lirismo
mixado ao estranho senso de
humor do catalão, tão típico
de um tarado tímido, alguns
personagens alcançam, porém, a morte desejada.
É assim que esses quase-suicidas de filmes mudos ensaiam sua saída pela porta
dos fundos sem nunca alcançá-la, como se pertencessem
à horda de Carlitos e Busters
Keatons dançando na chuva
à espera do relâmpago. São
todos "bons vivants" sub-reptícios, os suicidas exemplares de Vila-Matas, que,
em protesto contra a estupidez do mundo, tornaram-se
"bons mourants".
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).
SUICÍDIOS EXEMPLARES
Autor: Enrique Vila-Matas
Tradução: Carla Branco
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 45 (208 págs.)
Avaliação: ótimo
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