CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Na esteira da globalização, a world music virou moda e os círculos de iniciados passaram a cultuar escritores do fim do mundo e filmes de culturas antes inacessíveis. Foi quando entrou em vigor a regra do quanto mais exótico, melhor.
A essa tendência pertence "Caramelo", estreia da talentosa Nadine Labaki, diretora libanesa que também corroteirizou e protagoniza o filme. Trata-se de um painel antropológico da condição feminina em um país onde se misturam valores muçulmanos e cristãos e no qual a superposição das culturas europeia e árabe revela um tanto das peculiaridades locais.
Labaki constrói seu filme como um retrato da vida de quatro mulheres num salão de belezas de Beirute. Layale, Nisrine, Rima e Jamale têm de 20 e poucos a 40 e tantos anos, e cada uma enfrenta um momento pessoal que mistura questões afetivas com interditos culturais. Para completar o painel etário, "Caramelo" inclui uma dupla de vizinhas, senhoras na terceira idade: Lili e Rose.
A estratégia de Labaki é apresentar seu grupo sob um matiz que força nas cores, tornando suas personagens um tanto caricatas, quase estereótipos do "feminino". Desse modo, o filme captura a atenção de um público que pode enxergar nele a dramaticidade cômica de um Almodóvar, por exemplo.
Em torno delas circulam os homens, objetos do desejo e símbolos de uma sociedade patriarcal e machista. Nesse jogo em que paixão se confunde com submissão, as personagens se metem em peripécias do coração enquanto nos revelam aspectos da condição feminina sob uma cultura em que valores como "virgindade", "lesbianismo" e "adultério" estão soterrados sob tabus.
Sem reduzir o filme à demonstração de tese, a diretora projeta o que julga essencial por meio de olhar de puro afeto para as personagens. O fato de consegui-lo sem cair do salto não deixa de ser admirável.