São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2000 |
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MORUMBIFASHION BRASIL Infância, fetiche e libido dão tom do masculino
ERIKA PALOMINO COLUNISTA DA FOLHA A nona edição do MorumbiFashion Brasil terminou anteontem com um novo segmento, dedicado à moda masculina. O evento mostrou 26 coleções para a primavera-verão 2000/2001, durante sete dias, nas dependências do principal patrocinador do evento, o MorumbiShopping (zona sul de São Paulo). O objetivo desse novo dia é claro: fortalecer o mercado da moda masculina no Brasil, um setor em ascensão na mídia e no varejo. Até o MorumbiFashion número 8, a única marca que mostrava exclusivamente modelos masculinos era Ricardo Almeida. A idéia agora é que outras marcas possam aderir ao novo dia, além de Fause Haten, Ellus e Alexandre Herchcovitch, que participaram desta vez. No mercado internacional, a engrenagem é tão azeitada e o mercado tão grande que há uma temporada inteira dedicada aos homens -fora do prêt-à-porter feminino. Alexandre Herchcovitch abriu o dia, mostrando uma coleção temperada de anos 50 com um casting de 26 crianças e pré-adolescentes selecionados, em sua maioria, na escola judaica I.L. Peretz, onde estudou o estilista. A platéia veio abaixo, desconcertada pela sempre sutil ironia de Herchcovitch. Junto com o diretor de criação Maurício Ianês, ele pensou até mesmo na porta de onde saíam os meninos, pequena, no cenário vermelho. Versões masculinas de Alice, talvez, usando a moda (e esse desfile) como rito de passagem; espelho. Pensamos em roupa como linguagem, como código, diferenciação. Pensamos nas subculturas unificadas pelo gosto, aglutinadas, principalmente, pelas preferências musicais, como no rock da trilha. O período anos 50/início dos 60 temperaram assim, de leve, o desfile. Nas gravatinhas, na camisaria, na estamparia, nos losangos, nos "preppies" modernos à la Faap (a descolada Faculdade Armando Álvaro Penteado, onde estão muitos dos clientes da marca). Naturalmente, a modelagem miniaturizada foi apenas um modo diferente de mostrar a coleção, tudo vai estar na loja em tamanho "para gente grande". O jeans brinca de claro/escuro em bolsos e detalhes; a caveira ganha suave silk de strass na t-shirt, no excelente pink lavado, mas há também as versões masculinas de êxitos do feminino, como na regata de paetê refletivo e no látex fluo com preto listrado na diagonal. Fause Haten veio na sequência, em coleção mais econômica em idéias, comercial para o bem, boa para homens comportados que gostam de estilo e para quem quer se sobressair na noite. Temos então desde camisas brancas sociais com pences atrás e na frente até as t-shirts com silk de brilho. A blusa em malha de bolinhas ganha barrado de falsa seda, com a calça quadriculada que ganha detalhe mais solto dos joelhos, informal e elegante. Um dos melhores efeitos é o uso do algodão com resina, que fez a glória do estilista há um ano, de efeito de "gasto", "usado". Haten utiliza a técnica também no jeans, em interessante efeito na calça e no colete. A coleção masculina será mostrada, junto com a feminina, no desfile que ele fará na semana de moda nova-iorquina, em agosto. A Ellus veio depois, dando uma aula de fetiche masculino. O styling do desfile e da coleção trabalhou sobre elementos "esportes de ação/uniformes/rock", com leve perfume s&m na moda noite (sim, ela existe para os homens também). Tudo misturado, nada de edição em blocos (ave Cesar!). Deu tudo certo, e o casting, sem precisar de estrelas, certamente evocou fantasias inconscientes em homens e mulheres. Muito preto, claro, a cor do sexo. Calças de couro, cortadas ou não em shorts, jeans de corte impecável, sungas ou corajosos leggings de Lycra, permeados por macaquinhos, jaquetas de telas abertas e bermudas em laranja-operário. E o que são o cabeludo Álvaro e Sandro Mencarini, o "príncipe do Iguatemi" em versão hardcore? Tudo. Bem, encerrando a noite, Ricardo Almeida. Justamente o precursor disso tudo, caiu na armadilha dos artistas na passarela, que transformaram seu desfile num caos. Com 1h20 de atraso, o público entupia a sala. Havia excesso de convidados e a atmosfera era excitada, mas tensa. Um importante jornalista saiu da sala antes de começar, em protesto contra a confusão, o que fez o estilista pegar o microfone para explicar que o atraso era porque "seus convidados foram muito assediados" pela mídia, o que impediu que eles ficassem prontos em tempo. Ele se referia a Alexandre Pires, Paulo Vilhena, Matheus Rocha, Marcelo Anthony, Luciano Huck, João Paulo Diniz, entre outros. Bem, Xuxa para Lino Villaventura não atrasou mais que a uma hora "tradicional" de atraso do evento. De toda forma, a culpa não é da mídia, que está meramente trabalhando. Tudo bem convidar um ou outro, até faz parte. A questão está em encher a passarela de "famosos", distraindo a atenção da roupa e chamando a atenção da mídia off-moda, interessada apenas no social. Talvez seja o caso de Ricardo Almeida sair do MorumbiFashion, já que parece querer somente fazer desfilar seus amigos e clientes mais badalados. Ou quem sabe sentá-los na primeira fila? Daí fica tudo bem. Os desfiles de moda não podem mais ser vistos como "programa", como mero palco de catarse de libidos ou o projeto MorumbiFashion Brasil corre o risco de nunca ser levado a sério. É profissional ou não é? Desse jeito, nada resta da coleção do verão Ricardo Almeida, infelizmente, a não ser a imagem do pagodeiro Alexandre Pires de cueca. Texto Anterior: Leia relatório do Congresso Brasileiro de Cinema Próximo Texto: Fashionista Índice |
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