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Reaparece roteiro do que seria o 1º filme da jovem guarda
Romanticamente revolucionários
Reprodução
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Os pop stars Wanderléia, Roberto Carlos, e Erasmo Carlos na época do auge do sucesso da jovem guarda, na segunda metade dos 60 |
Co-escrito por Jô Soares, roteiro de "SSS contra a Jovem Guarda" seria filmado por Luiz Sérgio Person
ALCINO LEITE NETO
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O cinema pop brasileiro teria
uma outra história, talvez mais divertida, se nos anos 60 houvesse
sido feito o filme "SSS contra a Jovem Guarda". A produção, iniciada em 1966, nunca veio à luz, mas
o roteiro está nas mãos de Jô Soares, que o escreveu em parceria
com o crítico e diretor Jean-Claude Bernardet e o também diretor
Luiz Sérgio Person (1936-76).
Seria o primeiro filme estrelado
pelo trio Roberto Carlos, Erasmo
Carlos e Wanderléa, então hegemônico no pop, que logo iniciou
bem-sucedida trilogia de filmes
pop dirigidos por Roberto Farias.
Há poucas semanas, o roteiro
foi presenteado por Erasmo a Jô,
num dos programas do entrevistador. "Ficou guardado comigo
esse tempo todo, eu nem lembrava mais. Um dia, arrumando uns
baús, topei com ele, e logo pensei
em mostrar ao Jô", diz Erasmo.
A Folha teve acesso ao texto datilografado (cuja data de realização é 1966, no apogeu da jovem
guarda) e às primeiras imagens
que a equipe de Person filmou para a produção, hoje em poder de
sua filha Marina Person, que prepara, ainda sem patrocínio, um
documentário sobre o cineasta.
As imagens de Person (veja fotos à esq.) captam a festa/entrevista de lançamento do elenco e um
grande show de aniversário de
Roberto, com participações de
Jorge Ben, Elis Regina, Wilson Simonal e Jair Rodrigues. Tomadas
da platéia apaixonada predominam no material filmado. Os rolos de som foram perdidos.
O filme seria produzido pela
agência Magaldi, Maia e Prosperi,
que cuidava da imagem do trio da
jovem guarda, num arranjo estratégico original para a época, reunindo publicidade, estrelato musical e trabalho da mídia.
"Era para ser um filme sobre a
nova onda: romanticamente revolucionário", avalia Jô. Mas não
pôde ser feito. Roberto rompeu
com a agência e, como não havia
contratos sólidos à época, "tudo
caiu por terra", na expressão de
Bernardet. Ele lembra também
que Erasmo e Wanderléa frequentemente reclamavam da presença dominante de Roberto no
enredo, outro fator de discórdia.
Erasmo diz que a questão poderia ter sido resolvida com uma divisão melhor de papéis, mas admite as dificuldades: "Não lembro
se houve esse problema, sinceramente, mas o segundo plano naquela época incomodava a gente.
Era muita coisa para Roberto e
pouca para nós. A gente era figuração, mais que coadjuvante".
No roteiro, a turma da jovem
guarda enfrenta o grupo secreto
SSS, de inclinação implicitamente
fascista, formado por velhinhos
conservadores e doutores malucos, que planeja operar Roberto
para que ele não pudesse mais
cantar, impedindo com isso a irradiação dos maus costumes da
juventude iê-iê-iê pelo país.
Em clima de comédia, mas numa mistura de vários gêneros
(burlesco, espionagem, gângster,
musical, pastelão etc.), Roberto
Carlos seduz as espiãs Pepsi e
Fanta e enfrenta, completamente
alienado do perigo, o capanga Jerônimo.
Várias situações recorrem ao
modelo de narrativa das histórias
em quadrinhos. Cortes rápidos
descrevem a vida de um ídolo
musical em ritmo juvenil e debochado. A paisagem urbana se impõe, com seus mitos de então. Roberto corre pelas ruas em seu calhambeque e interpreta vários sucessos -ao som de "É Proibido
Fumar" o roteiro prevê imagens
incendiárias em Cubatão.
Em 66, segundo ano do golpe
militar, ainda havia espaço para o
debate político e a contestação. A
juventude encontrava-se dividida
entre os apelos crescentes da politização e da revolução, por um lado, e a sedutora contestação dos
costumes vigentes e a criação de
novos tipos de sociabilidade, signos e sons, por outro.
O pop, expressão dos 60, que
buscava ultrapassar o conflito entre as culturas nacionais-populares e o gosto das elites internacionais, chegava ao Brasil pelas guitarras elétricas da jovem guarda,
mas também pelo tropicalismo e
de certa forma pelo cinema novo.
Luiz Sergio Person, autor dos
clássicos do novo cinema brasileiro "São Paulo S/A" (65) e "O Crime dos Irmãos Naves" (67), foi
quem teve a idéia de realizar o filme, valendo-se do sucesso espantoso do trio pop. Em 65, procurou
Bernardet e Jô Soares para que
ambos trabalhassem o roteiro, supervisionados por ele.
Bernardet, recém-naturalizado
brasileiro (ele nasceu na Bélgica,
em 36), estava envolvido no roteiro de "Irmãos Naves" quando
Person lhe propôs: "Vamos fazer
um filme com Roberto Carlos?".
"Com quem?", perguntou Bernardet. "Roberto Carlos, a grande
vedete da canção atualmente."
Jô conhecia um pouco melhor a
jovem guarda, mas nem ele nem
Bernardet tinham por aquela música grande estima. A cinefilia os
unia, bem como o humor. Bernardet atribui a Jô boa parte das
piadas do filme: "Jô era bem mais
pop do que eu". O humorista prefere dizer que "houve um estímulo mútuo para inventar as gags".
Uma vez por semana, Person lia
o que estava escrito e pedia mudanças. Reclamava do excesso de
ironia dos roteiristas, pedindo
mais adesão à jovem guarda.
As situações absurdas e até metacinematográficas ultrapassam,
em muito, a inspiração inicial obtida do filme dos Beatles "Os Reis
do Iê-Iê-Iê" (64). Numa dessas sequências do roteiro, Roberto, depois de beijar a fatal Ágata, vira
para a câmera e diz: "Boa, Person,
dessa cena eu gostei. Vou fazer de
novo". Em outra são lançados por
uma janela uma noiva, um cachorro, uma velhinha, um escoteiro, um padre, um soldado.
A homenagem à chanchada
comparece com a previsão de filmar Oscarito numa cena em um
avião, em que ele diz: "Eu acho
que peguei o avião errado".
O roteiro passou a ser lido em
voz alta durante encontros da dupla Person-Bernardet com os cantores e os publicitários. Eram reuniões longuíssimas, interrompidas a todo momento pelos secretários de Roberto.
Desesperado com o andamento
da leitura, Person convidou Roberto e Bernardet para discutirem
o projeto em seu apartamento. O
cantor foi levado às pressas para
dentro do prédio, a fim de evitar o
assédio das fãs. Em vão. O edifício
foi invadido por garotas histéricas, que batiam desesperadamente à porta e só desistiram de madrugada. Mais uma vez, o filme
não pôde ser discutido. "Mas lembro que Roberto havia gostado do
roteiro", diz Bernardet.
No elenco, para fazer o líder da
SSS, era certo que seria convidado
o diretor Eugênio Kusnet. Jô supõe que ele próprio teria sido cogitado para fazer Jerônimo, o vilão trapalhão. Jorge Ben Jor, então
Jorge Ben, amigo de Person, apareceria cantando "Aleluia".
A trilogia de filmes da jovem
guarda só foi começar em 68, com
"Roberto Carlos em Ritmo de
Aventura". Teve amplo sucesso,
mas lhe falta o que haveria de sobra em "SSS contra a Jovem Guarda": a desenvoltura cinematográfica proposta pelo roteiro, a irreverência com os valores tradicionalistas e com o próprio estilo da
jovem guarda e, sobretudo, uma
avançada percepção sobre como
se constroem os mitos juvenis.
Para a história do filme nacional,
o roteiro é o "rosebud" de um cinema que pudesse ser ao mesmo
tempo popular e inteligente.
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