São Paulo, sexta-feira, 06 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Cinema brasileiro possui futuro ainda incerto

RUY GARDNIER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 6 de janeiro de 95, é lançado o primeiro longa de Carla Camurati, "Carlota Joaquina - A Princesa do Brazil". O filme levou aos cinemas 1,3 milhão de pessoas e esse feito transformou-o numa espécie de marco inicial da "retomada do cinema brasileiro".
O modo de produção da "retomada" caracteriza-se pela injeção de dinheiro federal na produção, parada em 90 com a extinção da Embrafilme no governo Collor e reiniciada em 93, na era Itamar. Nesses três anos a produção restringiu-se à última safra de filmes pornográficos da Boca e a pouquíssimas iniciativas individuais.
A Lei do Audiovisual, promulgada em 93 e em vigor a partir de 94, baseia-se na renúncia fiscal: as empresas podem investir até 3% de seus impostos em produto audiovisual. Para evitar a imagem de corporativismo, então vinculada à Embrafilme, a lei propunha a escolha descentralizada dos projetos, cabendo aos diretores de marketing decidir em que filmes suas companhias devem apostar.
Com a lei e o Prêmio Resgate, uma nova safra foi realizada, e muitos diretores estrearam em longa. Fizeram uma renovação temática e estilística como não se via há tempos, trabalhando com orçamentos pequenos e muito o que dizer.
Cineastas mais experientes, como Norma Bengell ("O Guarani"), passaram a trabalhar com orçamentos progressivamente maiores e decepcionaram. Fábio ("O Quatrilho") e Bruno Barreto ("O que É Isso, Companheiro?"), também com ambição de abocanhar grandes fatias de mercado, foram mais bem-sucedidos comercialmente.
A consagração internacional veio de Berlim, em 98, com "Central do Brasil", de Walter Salles -Urso de Ouro para o filme e de Prata (Fernanda Montenegro).
Enquanto alguns filmes faziam nossa imagem lá fora, aqui veteranos como Sganzerla ("Tudo É Brasil"), Saraceni ("O Viajante"), Bressane ("São Jerônimo"), Reichenbach ("Dois Córregos") e Coutinho ("Santo Forte") faziam filmes intimistas, que contam entre as melhores obras da década, mesmo tendo sido pouco vistos.
Se nos 90 a produção só aumentava (de dez em 95 a quase 40 em 99), já não havia tantos motivos para contentamento. O teto de captação baixa ano a ano, e o total captado nem chega ao teto, alcançando R$ 15 milhões em 2000 (contra R$ 107 milhões em 97).
Se o fim da década mostra o fracasso prático da lei, teoricamente ela também deixa a desejar. A demora de cada projeto deixa os cineastas muito tempo sem filmar. A lei dá conta da produção de filmes, mas não facilita o seu escoamento. E, talvez, a pior consequência: a criação de uma estética "clean", bem ao gosto de uma imagem publicitária, mas tristemente despida de dramaturgia.
O futuro do cinema brasileiro ainda é incerto. Considerando os últimos sucessos, com Xuxa e "O Auto da Compadecida", é difícil imaginar nos próximos anos um cinema distanciado da TV. Mas essa é uma boa esperança?


Ruy Gardnier, 25, é jornalista e editor da revista eletrônica "Contracampo"



Texto Anterior: Crítica: Camurati conduz filme com doçura e impolidez
Próximo Texto: Spike Lee expõe seu discurso radical e irado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.