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Salman Rushdie lança na Flip o livro "Shalimar, o Equilibrista"
Mar de histórias
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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O escritor indiano Salman Rushdie, que está no Brasil para participar da Flip, onde lança o livro "Shalimar, o Equilibrista" |
MARCOS GUTERMAN
SYLVIA COLOMBO
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO
A literatura nunca sofreu tamanha interferência da realidade política como hoje. Para o escritor
indiano Salman Rushdie, 58, Jane
Austen (1775-1817) podia ignorar
as guerras napoleônicas porque a
esfera pública não interferia tanto
no cotidiano. "Nós vivemos num
mundo muito estranho, e as conseqüências para a literatura são
profundas", disse o autor, anteontem, no Rio, às vésperas de embarcar para Parati, onde lançará,
na Flip (Festa Literária de Parati),
o livro "Shalimar, o Equilibrista".
Nele, um embaixador norte-americano, Max Ophuls, de origem francesa, é assassinado. Sua
filha, India, passa então a buscar
sua identidade por meio do passado misterioso da mãe e das motivações do assassino de seu pai,
Shalimar, personagem marcado
por uma traição amorosa. É por
meio dessa história de amor que
Rushdie faz referências ao "encolhimento do mundo", ou seja, ao
fato de que o que acontece hoje na
Caxemira (Índia) pode influenciar a vida em Los Angeles, em
alusão aos dois lugares da ação.
Em entrevista à Folha, Rushdie
não quis comentar a recente eleição de um líder linha-dura no Irã,
país onde foi condenado à morte
pelo aiatolá Khomeini, em 89, que
via em "Os Versos Satânicos"
agressões ao islã. "Perguntem sobre lugares que conheço, como a
Índia, o Reino Unido ou os EUA."
Por conta disso, também não quis
falar da realidade brasileira. "Leio
os jornais, mas não me pergunte."
Folha - Quanto do sr. há em "Shalimar, o Equilibrista"?
Salman Rushdie - Não há um
personagem que fale pelo autor.
Meu objetivo foi criá-los como seres empenhados em suas próprias
histórias. A maneira como os personagens do livro evoluem não
tem nada a ver com uma vontade
de expor meu ponto de vista sobre o mundo. Flaubert disse:
"Madame Bovary, c'est moi", mas
é claro que é mentira. Madame
Bovary não é Flaubert. A verdade
é que você deve estar em cada frase do seu livro. Há algo com que
devemos lidar mais do que nunca
agora, que é o fato de que nossas
vidas não são mais vidas privadas.
Quando Jane Austen escrevia, ela
ignorava as guerras napoleônicas.
Podia contar a história de seus
personagens sem se referir à esfera pública, pois esta não interferia
na vida dos seus personagens. Só
que hoje não vivemos mais assim.
Folha - Hoje um escritor pode ignorar a situação mundial?
Rushdie - Não quero ditar regras, mas é difícil para mim. Para
explicar a vida das pessoas, você
precisa levar em conta o mundo
em que elas vivem e o efeito direto
que esse mundo causa nelas.
Folha - Como no exemplo da Caxemira, que está no livro.
Rushdie - Sim, a vida de Shalimar foi destruída por dentro, pela
traição de sua mulher mas também por fora, pelas forças da história. A maneira como costumávamos acreditar no destino dos
personagens não existe mais, agora é o destino que faz os personagens. É preciso trabalhar com esse
duplo sentido para escrever.
Uma boa questão é se somos os
mestres ou as vítimas do nosso
tempo. Nós comandamos nossas
vidas ou não temos chances?
Folha - E o que o sr. acha?
Rushdie - As duas coisas. Às vezes, nós podemos comandá-la,
noutras não. Por exemplo, esse
concerto de rock que houve no
fim de semana, o Live 8, foi uma
tentativa de um grande número
de pessoas de causar algum impacto transformador. Pode-se dizer que é simplista, mas pode funcionar. Mas é claro que, se você
estiver num arranha-céu e um
avião bater nele, não importará se
você viveu sua vida bem ou mal.
Nós vivemos num mundo muito
estranho, e as conseqüências para
a literatura são muito profundas.
Folha - Por quê?
Rushdie - Porque uma das grandes perguntas para um escritor é:
como se diz a verdade sobre o
mundo? De acordo com o nível
do seu talento, a profundidade da
sua visão, ou das limitações que
todos nós temos. De outro modo,
você não dirá a verdade.
Folha - Os americanos sabem o
quanto o que acontece na Caxemira afeta a vida deles?
Rushdie - Acredito que o 11 de
Setembro tenha sido um alerta.
Mostrou que o mundo não está
mais separado. Os americanos
sentiram na pele as conseqüências de um mundo que encolheu.
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