São Paulo, quarta-feira, 06 de julho de 2005

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Salman Rushdie lança na Flip o livro "Shalimar, o Equilibrista"

Mar de histórias

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O escritor indiano Salman Rushdie, que está no Brasil para participar da Flip, onde lança o livro "Shalimar, o Equilibrista"


MARCOS GUTERMAN
SYLVIA COLOMBO
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO

A literatura nunca sofreu tamanha interferência da realidade política como hoje. Para o escritor indiano Salman Rushdie, 58, Jane Austen (1775-1817) podia ignorar as guerras napoleônicas porque a esfera pública não interferia tanto no cotidiano. "Nós vivemos num mundo muito estranho, e as conseqüências para a literatura são profundas", disse o autor, anteontem, no Rio, às vésperas de embarcar para Parati, onde lançará, na Flip (Festa Literária de Parati), o livro "Shalimar, o Equilibrista".
Nele, um embaixador norte-americano, Max Ophuls, de origem francesa, é assassinado. Sua filha, India, passa então a buscar sua identidade por meio do passado misterioso da mãe e das motivações do assassino de seu pai, Shalimar, personagem marcado por uma traição amorosa. É por meio dessa história de amor que Rushdie faz referências ao "encolhimento do mundo", ou seja, ao fato de que o que acontece hoje na Caxemira (Índia) pode influenciar a vida em Los Angeles, em alusão aos dois lugares da ação.
Em entrevista à Folha, Rushdie não quis comentar a recente eleição de um líder linha-dura no Irã, país onde foi condenado à morte pelo aiatolá Khomeini, em 89, que via em "Os Versos Satânicos" agressões ao islã. "Perguntem sobre lugares que conheço, como a Índia, o Reino Unido ou os EUA." Por conta disso, também não quis falar da realidade brasileira. "Leio os jornais, mas não me pergunte."

 

Folha - Quanto do sr. há em "Shalimar, o Equilibrista"?
Salman Rushdie -
Não há um personagem que fale pelo autor. Meu objetivo foi criá-los como seres empenhados em suas próprias histórias. A maneira como os personagens do livro evoluem não tem nada a ver com uma vontade de expor meu ponto de vista sobre o mundo. Flaubert disse: "Madame Bovary, c'est moi", mas é claro que é mentira. Madame Bovary não é Flaubert. A verdade é que você deve estar em cada frase do seu livro. Há algo com que devemos lidar mais do que nunca agora, que é o fato de que nossas vidas não são mais vidas privadas. Quando Jane Austen escrevia, ela ignorava as guerras napoleônicas. Podia contar a história de seus personagens sem se referir à esfera pública, pois esta não interferia na vida dos seus personagens. Só que hoje não vivemos mais assim.

Folha - Hoje um escritor pode ignorar a situação mundial?
Rushdie -
Não quero ditar regras, mas é difícil para mim. Para explicar a vida das pessoas, você precisa levar em conta o mundo em que elas vivem e o efeito direto que esse mundo causa nelas.

Folha - Como no exemplo da Caxemira, que está no livro.
Rushdie -
Sim, a vida de Shalimar foi destruída por dentro, pela traição de sua mulher mas também por fora, pelas forças da história. A maneira como costumávamos acreditar no destino dos personagens não existe mais, agora é o destino que faz os personagens. É preciso trabalhar com esse duplo sentido para escrever.
Uma boa questão é se somos os mestres ou as vítimas do nosso tempo. Nós comandamos nossas vidas ou não temos chances?

Folha - E o que o sr. acha?
Rushdie -
As duas coisas. Às vezes, nós podemos comandá-la, noutras não. Por exemplo, esse concerto de rock que houve no fim de semana, o Live 8, foi uma tentativa de um grande número de pessoas de causar algum impacto transformador. Pode-se dizer que é simplista, mas pode funcionar. Mas é claro que, se você estiver num arranha-céu e um avião bater nele, não importará se você viveu sua vida bem ou mal. Nós vivemos num mundo muito estranho, e as conseqüências para a literatura são muito profundas.

Folha - Por quê?
Rushdie -
Porque uma das grandes perguntas para um escritor é: como se diz a verdade sobre o mundo? De acordo com o nível do seu talento, a profundidade da sua visão, ou das limitações que todos nós temos. De outro modo, você não dirá a verdade.

Folha - Os americanos sabem o quanto o que acontece na Caxemira afeta a vida deles?
Rushdie -
Acredito que o 11 de Setembro tenha sido um alerta. Mostrou que o mundo não está mais separado. Os americanos sentiram na pele as conseqüências de um mundo que encolheu.


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