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JT LeRoy encara desconfiança do público em São Paulo
DA REPORTAGEM LOCAL
8h05 da manhã. Cerca de uma
hora depois de pousado o avião
que o trazia de San Francisco, via
Cidade do México, o escritor
americano JT LeRoy sai da sala de
desembarque. A intérprete não o
reconhece. Pudera: onde estão as
tais marcas registradas, chapéu,
óculos escuros e peruca loura?
Andrógino, o ar ainda mais delicado do que se vê nas fotos de divulgação, LeRoy deixou o uniforme de JT na mala: ele entraria em
ação somente mais tarde, na sessão do filme "The Heart Is Deceitful Above All Things", de Asia Argento, promovida pela Folha e
Geração Editorial no Espaço Unibanco, em São Paulo.
Apresentações feitas, LeRoy
pergunta à intérprete sobre as câmeras descartáveis que pediu por
e-mail, com que vai fazer os registros fotográficos para acompanhar os diários da viagem ao Brasil encomendados pelo jornal
"Sunday Times".
Um pouco depois, à mesa do café da manhã, num hotel perto do
aeroporto de Guarulhos, o escritor conta o que está lendo: "Music
of the Swamp", de Lewis Nordan,
e "The Invisible Man", de Ralph
Ellison. Quer conhecer literatura
brasileira. Ainda nos Estados
Unidos alguém sugeriu Paulo
Coelho.
Antes da sessão de cinema, LeRoy tem aula de capoeira de Angola marcada no Instituto Nzinga,
na Vila Sônia. Depois de tudo o
que passou, diz ele, a luta, que
pratica há cinco anos, duas a três
vezes por semana, tornou-se uma
espécie de porto seguro, uma importante experiência espiritual. O
escritor vai acompanhado de Nathan Jackson, colega de capoeira
em San Francisco, e seu fiel escudeiro na vinda ao Brasil.
Armada a roda, LeRoy não encontra dificuldade de seguir as
instruções da professora, a baiana
Sula. Luta em dupla, toca um instrumento, o agogô, e arrisca o refrão de um dos cânticos: "vou dizer ao meu senhor que a manteiga
derramou".
Sula elogia sua desenvoltura. A
aula termina. A turma, cerca de 12
pessoas, de crianças a senhoras
septuagenárias, agradece sua presença. Ele autografa um exemplar
de "Sarah" para o instituto. Na
saída, ainda envolvido com a sonoridade, diz que foi totalmente
diferente das aulas que tem em
casa. "É mais sábio", avalia.
Hora de ir para o cinema. Hora
de colocar o uniforme de JT: a peruca loura, o enorme chapéu que
foi do avô, visual completo com
uma roupa da grife Costume National, sua "roupa de festa", diz
ele. Tem dois pares de óculos escuros. Escolhe um e, a sessão já
iniciada, corre para a cadeira que
foi reservada para ele.
Ao fim da projeção, vai com a
intérprete para a frente da platéia,
no cinema lotado. De novo, a dúvida: será mesmo o LeRoy? Nervoso, o escritor agradece a presença das pessoas, que demoram
a acreditar que é LeRoy quem está
realmente ali. Vêm as primeiras
perguntas, sobre sua participação
na produção do filme: ele fala que
ajudou na escolha do elenco, como a participação de Winona
Ryder, sua amiga.
LeRoy diz que ver o filme de Argento, baseado em seu segundo livro, é como uma catarse. Da platéia vêm mais perguntas: mais à
vontade, LeRoy fala da trilha sonora com Sonic Youth, de como
importunou editores até ter seu
primeiro livro publicado, e conta
que sua mãe, vivida no filme pela
própria Argento, já morreu. Mas
ele continua em contato com ela.
Um espectador diz ter dúvidas sobre a verdadeira identidade do escritor, o achou muito feminino
em relação ao personagem retratado no longa. Um ensaio de vaia
e JT guarda para o final a resposta:
para isso existem hormônios. A
cortina desce, aplausos.
Ainda como JT, LeRoy tem um
último compromisso: a festa de
encerramento da São Paulo Fashion Week, numa mansão no Pacaembu. À entrada, ainda que na
dúvida, alguns fotógrafos registram sua chegada. Acham que
Nathan é o tal escritor famoso que
virá à festa. LeRoy é apresentado à
drag Bianca Exótica, ao estilista
Mário Queiroz... Descobre uma
sala VIP onde pode beber seu
champanhe mais sossegado e matar a vontade de fazer uma massagem. Sai decepcionado. "Não
acredito que a massagem pôde ter
sido tão ruim", diz.
Quase 3h da manhã, LeRoy já
arrisca tirar o chapéu, a peruca e
os óculos. Quer um descanso. A
"turnê" brasileira mal começou e,
ele ainda tem Flip e uma viagem
ao Rio pela frente. No dia seguinte
terá que retomar o uniforme no
lançamento de "Sarah" na Livraria da Vila, onde volta a falar em
público. "Prefiro os autógrafos.
São mais individuais."
(ES)
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