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Antony Sher interpreta o Holocausto de Primo Levi
DA ASSOCIATED PRESS,
EM STRATFORD-UPON-AVON, INGLATERRA
"Nunca tinha visto um filme ou
uma peça sobre o Holocausto que
funcionasse", disse. "Não acreditava que fosse possível colocar
Auschwitz no palco ou nas telas."
Assim, foi uma surpresa para
Antony Sher que ele terminasse
escrevendo e interpretando "Primo", uma adaptação para os palcos de "É Isto um Homem?", as
tenebrosas memórias do escritor
Primo Levi sobre Auschwitz.
Um dos mais aclamados atores
britânicos de teatro, Sher leu o livro de Levi pela primeira vez
quando estava trabalhando em
"Singer", um drama de Peter
Flannery sobre um sobrevivente
do Holocausto, em 1989. A despeito de suas dúvidas, ficou cada
vez mais obcecado com a idéia de
adaptar o livro de Primo Levi para
o palco.
"Primo Levi é uma das mais importantes e eloqüentes testemunhas do Holocausto", disse Sher,
56, judeu nascido na África do Sul
que se mudou para a Inglaterra
em 1968 para estudar teatro.
"Primo" esteve em cartaz no trimestre final do ano passado no
National Theatre de Londres e foi
aclamado pela crítica. De volta
aos palcos, a peça estréia no Music Box Theatre de Nova York em
11 de julho.
O monólogo minimalista de
Sher procura destilar o relato clínico mas pungente do cientista e
escritor italiano sobre o ano que
passou em Auschwitz. Convencido sobre a necessidade de adaptar
o livro, mas incerto quanto à melhor maneira de proceder, Sher
encontrou a chave para sua adaptação em "Shoah", documentário
dirigido em 1985 por Claude
Lanzmann e composto quase que
integralmente por entrevistas
com testemunhas oculares do
Holocausto -o filme foi exibido
no Brasil em maio pela TV5.
"Ocorreu-me que aquela perspectiva serviria. Seria possível tratar "É Isto um Homem?" como se
Primo Levi fosse um daqueles sobreviventes entrevistados por
Lanzmann", disse Sher durante
um almoço em Stratford-upon-Avon, berço de Shakespeare.
"Assim, temos Levi em clima de
pós-guerra, Levi vestindo roupas
comuns, como as minhas ou as
suas, uma pessoa moderna reconhecível, e não alguém como os
esqueletos ambulantes que ele
descreve no campo", disse ele.
O ator é membro da Royal Shakespeare Company, sediada em
Stratford, desde 1982, e sua carreira cinematográfica inclui títulos
como "Shakespeare Apaixonado"
e "Churchill: The Hollywood
Years", do ano passado, no qual
-enquanto se preparava para
encarar Primo- Sher fez o papel
de Adolf Hitler.
Mas ele é mais famoso como
ator de teatro. Sher conquistou
um Olivier, mais importante prêmio do teatro britânico, por seu
atormentado "Ricardo 3º" de
1985, visto por muitos como um
dos melhores do século passado.
Recebeu mais um Oliver por "Stanley", peça sobre o pintor inglês
Stanley Spencer, que lhe valeu
uma indicação ao Tony, em sua
temporada na Broadway em 1997.
Agraciado pela rainha Elizabeth
2ª com o título de cavaleiro em
2000, ele divide seu tempo entre
Stratford e Londres, onde vive
com o diretor Gregory Doran, seu
parceiro há quase 20 anos.
Sher inicialmente relutou em fazer ele mesmo o papel de "Primo", devido ao que chamou de
"um paralisante medo do palco".
Sob a direção de Richard Wilson, o ator se preparou para "Primo" com uma série intensa de
oficinas, trabalhando com atores
que falam alemão para ganhar
uma sensação de desorientação
-ele não fala o idioma- e convidando sobreviventes do Holocausto para que lhe contassem
suas histórias. Uma mulher húngara, Trudi Levi, 80, teve impacto
especialmente forte sobre ele.
"Ela veio e falou por cerca de
uma hora e meia sobre sua experiência nos diversos campos em
que esteve. As palavras fluíam de
seus lábios com muita urgência",
disse Sher. "Ela simplesmente tinha de contar sua história, ela tinha de nos informar detalhadamente sobre as coisas que aconteceram a ela. Mas com completo
controle emocional."
"Havia alguma coisa na maneira pela qual ela pronunciava as
palavras que era absolutamente
fascinante. Fiquei sentado na
pontinha da cadeira, à beira das
lágrimas. Quando ela saiu, Richard Wilson me disse que era
daquela maneira que teríamos de
fazê-lo", conta.
A abordagem discreta encontrou poderosa ressonância na audiência. Com pouca publicidade,
a temporada da peça em Londres
teve lotação esgotada, e a montagem voltou para novas apresentações no Hampstead Theatre, em
Londres, e na Cidade do Cabo, a
cidade natal de Sher.
"Creio que tenha duas coisas a
ver com as qualidades de Levi como escritor. Uma é a enorme
quantidade de detalhes, e isso se
relaciona à vida dele como cientista, como químico, estudando o
mundo bizarro ao qual se viu arremessado. Mesmo que sua vida
esteja em perigo constante, ele a
está estudando, analisando", diz.
Levi morreu em 1986, depois de
uma queda no vão da escada do
edifício onde morava em Turim,
aparentemente por suicídio.
"Gosto de imaginar que não tenha sido por Auschwitz", disse
Sher, que fica perturbado ao imaginar que o grande sobrevivente
tenha tirado a própria vida. "Ele
era depressivo, clinicamente antes da guerra, depois da guerra,
mas, estranhamente, não enquanto esteve em Auschwitz."
Tradução Paulo Migliacci
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