São Paulo, quarta-feira, 06 de julho de 2005

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Antony Sher interpreta o Holocausto de Primo Levi

DA ASSOCIATED PRESS,

EM STRATFORD-UPON-AVON, INGLATERRA

"Nunca tinha visto um filme ou uma peça sobre o Holocausto que funcionasse", disse. "Não acreditava que fosse possível colocar Auschwitz no palco ou nas telas."
Assim, foi uma surpresa para Antony Sher que ele terminasse escrevendo e interpretando "Primo", uma adaptação para os palcos de "É Isto um Homem?", as tenebrosas memórias do escritor Primo Levi sobre Auschwitz.
Um dos mais aclamados atores britânicos de teatro, Sher leu o livro de Levi pela primeira vez quando estava trabalhando em "Singer", um drama de Peter Flannery sobre um sobrevivente do Holocausto, em 1989. A despeito de suas dúvidas, ficou cada vez mais obcecado com a idéia de adaptar o livro de Primo Levi para o palco.
"Primo Levi é uma das mais importantes e eloqüentes testemunhas do Holocausto", disse Sher, 56, judeu nascido na África do Sul que se mudou para a Inglaterra em 1968 para estudar teatro.
"Primo" esteve em cartaz no trimestre final do ano passado no National Theatre de Londres e foi aclamado pela crítica. De volta aos palcos, a peça estréia no Music Box Theatre de Nova York em 11 de julho.
O monólogo minimalista de Sher procura destilar o relato clínico mas pungente do cientista e escritor italiano sobre o ano que passou em Auschwitz. Convencido sobre a necessidade de adaptar o livro, mas incerto quanto à melhor maneira de proceder, Sher encontrou a chave para sua adaptação em "Shoah", documentário dirigido em 1985 por Claude Lanzmann e composto quase que integralmente por entrevistas com testemunhas oculares do Holocausto -o filme foi exibido no Brasil em maio pela TV5.
"Ocorreu-me que aquela perspectiva serviria. Seria possível tratar "É Isto um Homem?" como se Primo Levi fosse um daqueles sobreviventes entrevistados por Lanzmann", disse Sher durante um almoço em Stratford-upon-Avon, berço de Shakespeare.
"Assim, temos Levi em clima de pós-guerra, Levi vestindo roupas comuns, como as minhas ou as suas, uma pessoa moderna reconhecível, e não alguém como os esqueletos ambulantes que ele descreve no campo", disse ele.
O ator é membro da Royal Shakespeare Company, sediada em Stratford, desde 1982, e sua carreira cinematográfica inclui títulos como "Shakespeare Apaixonado" e "Churchill: The Hollywood Years", do ano passado, no qual -enquanto se preparava para encarar Primo- Sher fez o papel de Adolf Hitler.
Mas ele é mais famoso como ator de teatro. Sher conquistou um Olivier, mais importante prêmio do teatro britânico, por seu atormentado "Ricardo 3º" de 1985, visto por muitos como um dos melhores do século passado. Recebeu mais um Oliver por "Stanley", peça sobre o pintor inglês Stanley Spencer, que lhe valeu uma indicação ao Tony, em sua temporada na Broadway em 1997.
Agraciado pela rainha Elizabeth 2ª com o título de cavaleiro em 2000, ele divide seu tempo entre Stratford e Londres, onde vive com o diretor Gregory Doran, seu parceiro há quase 20 anos.
Sher inicialmente relutou em fazer ele mesmo o papel de "Primo", devido ao que chamou de "um paralisante medo do palco".
Sob a direção de Richard Wilson, o ator se preparou para "Primo" com uma série intensa de oficinas, trabalhando com atores que falam alemão para ganhar uma sensação de desorientação -ele não fala o idioma- e convidando sobreviventes do Holocausto para que lhe contassem suas histórias. Uma mulher húngara, Trudi Levi, 80, teve impacto especialmente forte sobre ele.
"Ela veio e falou por cerca de uma hora e meia sobre sua experiência nos diversos campos em que esteve. As palavras fluíam de seus lábios com muita urgência", disse Sher. "Ela simplesmente tinha de contar sua história, ela tinha de nos informar detalhadamente sobre as coisas que aconteceram a ela. Mas com completo controle emocional."
"Havia alguma coisa na maneira pela qual ela pronunciava as palavras que era absolutamente fascinante. Fiquei sentado na pontinha da cadeira, à beira das lágrimas. Quando ela saiu, Richard Wilson me disse que era daquela maneira que teríamos de fazê-lo", conta.
A abordagem discreta encontrou poderosa ressonância na audiência. Com pouca publicidade, a temporada da peça em Londres teve lotação esgotada, e a montagem voltou para novas apresentações no Hampstead Theatre, em Londres, e na Cidade do Cabo, a cidade natal de Sher.
"Creio que tenha duas coisas a ver com as qualidades de Levi como escritor. Uma é a enorme quantidade de detalhes, e isso se relaciona à vida dele como cientista, como químico, estudando o mundo bizarro ao qual se viu arremessado. Mesmo que sua vida esteja em perigo constante, ele a está estudando, analisando", diz.
Levi morreu em 1986, depois de uma queda no vão da escada do edifício onde morava em Turim, aparentemente por suicídio.
"Gosto de imaginar que não tenha sido por Auschwitz", disse Sher, que fica perturbado ao imaginar que o grande sobrevivente tenha tirado a própria vida. "Ele era depressivo, clinicamente antes da guerra, depois da guerra, mas, estranhamente, não enquanto esteve em Auschwitz."


Tradução Paulo Migliacci

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