|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GUILHERME WISNIK
Lagos é aqui?
Material inédito captado por holandesa mostra metrópole nigeriana como o estágio terminal da vida urbana
|
"LAGOS wide and close" (Lagos distante e próxima,
2004), videodocumentário feito pela holandesa Bregtje van
der Haak, que esteve na última Bienal de São Paulo, foi o destaque na
recente Mostra sobre a Metrópole
Contemporânea em Montréal (Canadá). Opondo vistas aéreas e tomadas ao rés do chão, tem depoimentos
do arquiteto Rem Koolhaas, que
coordena uma pesquisa sobre a capital nigeriana. E, como até muito
recentemente não se podia filmar
no país, o material captado por Van
der Haak é absolutamente inédito.
Lagos é uma das maiores cidades
do mundo e cresce a um ritmo alucinante, apesar da total falta de infra-estrutura e planejamento, devendo tornar-se, em poucos anos, a terceira maior metrópole do planeta. Por
isso, tem atraído cada vez mais a
atenção de pesquisadores interessados no fenômeno da megalopolização fora do "mundo civilizado".
O que as imagens revelam, como
se pode imaginar, é um cenário mais
que caótico: alagados ocupados por
palafitas, lixos por todo lado, casas e
pessoas espremendo-se ao redor de
linhas férreas, viadutos decrépitos e
um trânsito em colapso. Se cada um
desses elementos, contudo, não é
capaz de assustar um paulistano, a
novidade é que em Lagos eles não se
apresentam como um desvio da
norma, mas como o próprio "ser" da
cidade. Por isso ela é tida como o estágio terminal da vida urbana, produto de um "laissez-faire" autofágico. Provocativo, Koolhaas adota
uma perspectiva inversa: o que é que
Lagos tem a nos ensinar? Pergunta
que glosa inteligentemente o
"Aprendendo com Las Vegas" de
Venturi. Pois a vitalidade que ele vê
em Lagos não é uma romantização
da criatividade da favela, mas o diagnóstico de um cruzamento estranho. Lagos é, por um lado, a carcaça
de uma cidade que viveu o boom do
petróleo nos anos 70 e empobreceu,
mas, por outro, a sede de um efervescente mercado informal que
cresceu com a política neoliberal
dos anos 90. Só o mercado (semi-ilegal) de Alaba, por exemplo, especializado em reciclagem e pirataria,
congrega mais de 50 mil comerciantes e responde por 75% do comércio
de eletrônica da África Ocidental.
Pólo atrator de serviços, fundiu diversos mercados criando o conceito
sui generis de "corruperação".
Mas o maior exemplo da identidade da cidade está no mercado de Oshodi, situado no cruzamento de uma
via expressa com a linha férrea, terminais de trem, ônibus e paradas de
caminhões. O nó é um símbolo do
planejamento falido, com rampas de
acesso inúteis que ficaram inacabadas e foram ocupadas pelo comércio
informal, assim como os miolos dos
trevos e os baixos de viaduto. Quer
dizer que os espaços residuais das
grandes obras estatais de infra-estrutura acabaram sendo incorporados pelo uso cotidiano privado (mas
coletivo), aproximando "mundos"
normalmente distantes nas grandes
cidades.
Se, por um lado, o tráfego evidentemente não flui, por outro os espaços de passagem se convertem em
lugares de permanência. Apesar de
disfuncional, Lagos transformou
suas vias mortas no mercado mais
produtivo da cidade.
Texto Anterior: "Pré-geração" serve como inspiração Próximo Texto: Exposição adianta o futuro das metrópoles Índice
|