São Paulo, segunda-feira, 06 de agosto de 2007

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GUILHERME WISNIK

Lagos é aqui?


Material inédito captado por holandesa mostra metrópole nigeriana como o estágio terminal da vida urbana

"LAGOS wide and close" (Lagos distante e próxima, 2004), videodocumentário feito pela holandesa Bregtje van der Haak, que esteve na última Bienal de São Paulo, foi o destaque na recente Mostra sobre a Metrópole Contemporânea em Montréal (Canadá). Opondo vistas aéreas e tomadas ao rés do chão, tem depoimentos do arquiteto Rem Koolhaas, que coordena uma pesquisa sobre a capital nigeriana. E, como até muito recentemente não se podia filmar no país, o material captado por Van der Haak é absolutamente inédito.
Lagos é uma das maiores cidades do mundo e cresce a um ritmo alucinante, apesar da total falta de infra-estrutura e planejamento, devendo tornar-se, em poucos anos, a terceira maior metrópole do planeta. Por isso, tem atraído cada vez mais a atenção de pesquisadores interessados no fenômeno da megalopolização fora do "mundo civilizado".
O que as imagens revelam, como se pode imaginar, é um cenário mais que caótico: alagados ocupados por palafitas, lixos por todo lado, casas e pessoas espremendo-se ao redor de linhas férreas, viadutos decrépitos e um trânsito em colapso. Se cada um desses elementos, contudo, não é capaz de assustar um paulistano, a novidade é que em Lagos eles não se apresentam como um desvio da norma, mas como o próprio "ser" da cidade. Por isso ela é tida como o estágio terminal da vida urbana, produto de um "laissez-faire" autofágico. Provocativo, Koolhaas adota uma perspectiva inversa: o que é que Lagos tem a nos ensinar? Pergunta que glosa inteligentemente o "Aprendendo com Las Vegas" de Venturi. Pois a vitalidade que ele vê em Lagos não é uma romantização da criatividade da favela, mas o diagnóstico de um cruzamento estranho. Lagos é, por um lado, a carcaça de uma cidade que viveu o boom do petróleo nos anos 70 e empobreceu, mas, por outro, a sede de um efervescente mercado informal que cresceu com a política neoliberal dos anos 90. Só o mercado (semi-ilegal) de Alaba, por exemplo, especializado em reciclagem e pirataria, congrega mais de 50 mil comerciantes e responde por 75% do comércio de eletrônica da África Ocidental. Pólo atrator de serviços, fundiu diversos mercados criando o conceito sui generis de "corruperação".
Mas o maior exemplo da identidade da cidade está no mercado de Oshodi, situado no cruzamento de uma via expressa com a linha férrea, terminais de trem, ônibus e paradas de caminhões. O nó é um símbolo do planejamento falido, com rampas de acesso inúteis que ficaram inacabadas e foram ocupadas pelo comércio informal, assim como os miolos dos trevos e os baixos de viaduto. Quer dizer que os espaços residuais das grandes obras estatais de infra-estrutura acabaram sendo incorporados pelo uso cotidiano privado (mas coletivo), aproximando "mundos" normalmente distantes nas grandes cidades.
Se, por um lado, o tráfego evidentemente não flui, por outro os espaços de passagem se convertem em lugares de permanência. Apesar de disfuncional, Lagos transformou suas vias mortas no mercado mais produtivo da cidade.


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