|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA ROMANCE
"Xeque-Mate" é um equívoco de De Sanctis
Juiz titubeia no domínio do idioma; livro tem elocução bacharelesca, clichês e sentenciosidades ao gosto popular
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Fausto de Sanctis (1965)
surpreendeu a sociedade
brasileira com um perfil de
Juiz de Direito independente,
tão imparcial como é possível ser, que busca seus limites apenas nas leis, ignorando o poder econômico e político das partes.
Presidiu e sentenciou processos memoráveis de crimes
contra o sistema financeiro e
a ordem econômica, os chamados crimes do "colarinho
branco", como lavagem de
dinheiro, envio irregular de
moeda ao estrangeiro, uso de
informações privilegiadas,
falências fraudulentas etc, os
quais, embora corriqueiros,
são pouco enfrentados pela
Justiça brasileira.
De Sanctis processou e
condenou o banqueiro Edemar Cid Ferreira, o empresário Ricardo Mansur, o doleiro
Toninho da Barcelona, o traficante José Carlos Abadía, o
banqueiro Daniel Dantas, o
investidor Nagi Nahas, o ex-prefeito Celso Pitta, entre outros nomes de reputação nada ilibada, por vezes comprando brigas até com o STF
(Supremo Tribunal Federal).
Portanto, não cabe dúvida
razoável: trata-se de um profissional altamente qualificado em seu campo de atuação.
O juiz, porém, arriscou-se
em área na qual é amador ao
lançar "Xeque-Mate".
MALVADA LITERATURA
Pouco lhe vale tratar-se de
uma narrativa que reúne casos enfrentados por um protagonista também magistrado, respeitado por sua independência e senso de justiça,
torturado por seu perfeccionismo, seus escrúpulos, bem
como pelos ciúmes dos colegas e da mulher.
A literatura é processo
usualmente alheio a propósitos edificantes, e, pior, dispensa tratamento cruel a
quem falta talento para lidar
com a língua.
De Sanctis, infelizmente,
padece essa crueldade em todos os aspectos da composição de sua novela.
Titubeia no domínio formal do idioma; a elocução é
bacharelesca, prenhe de clichês e sentenciosidades ao
gosto popular; é frouxa a caracterização das personagens, todas abstratas, entregues a qualificativos genéricos como "dignidade",
"ideal" ou "respeito"; a sequência das ações é dispersiva quando não é redundante
e se dilui numa intriga rala,
irresolvida numa peripécia
aleatória, pois mal assentada
na narrativa incongruente.
Evidentemente De Sanctis
não se torna um juiz menos
admirável pelo equívoco de
sua aventura literária, assim
como a sua literatura não se
tornou melhor pela sua qualidade moral e profissional
como magistrado.
A afirmação não deve chocar ninguém: a antiga expulsão dos poetas da polis, promovida por alguém que conhecia tanto a poesia como
Platão, é um enunciado eloquente dessa indiferença da
literatura às ideias do bem,
do justo e até do belo.
A nós, não nos resta senão
esperar que o bom juiz permaneça na companhia dos
bons e não se deixe afetar pelos maus tratos da malvada
literatura.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria
literária na Unicamp
XEQUE-MATE
AUTOR Fausto de Sanctis
EDITORA Editora Gol
QUANTO R$ 49 (187 págs.)
AVALIAÇÃO ruim
Texto Anterior: O striptease do juiz Próximo Texto: Raio-X: Fausto De Sanctis Índice
|