São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

"Xeque-Mate" é um equívoco de De Sanctis

Juiz titubeia no domínio do idioma; livro tem elocução bacharelesca, clichês e sentenciosidades ao gosto popular

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fausto de Sanctis (1965) surpreendeu a sociedade brasileira com um perfil de Juiz de Direito independente, tão imparcial como é possível ser, que busca seus limites apenas nas leis, ignorando o poder econômico e político das partes.
Presidiu e sentenciou processos memoráveis de crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômica, os chamados crimes do "colarinho branco", como lavagem de dinheiro, envio irregular de moeda ao estrangeiro, uso de informações privilegiadas, falências fraudulentas etc, os quais, embora corriqueiros, são pouco enfrentados pela Justiça brasileira.
De Sanctis processou e condenou o banqueiro Edemar Cid Ferreira, o empresário Ricardo Mansur, o doleiro Toninho da Barcelona, o traficante José Carlos Abadía, o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Nagi Nahas, o ex-prefeito Celso Pitta, entre outros nomes de reputação nada ilibada, por vezes comprando brigas até com o STF (Supremo Tribunal Federal).
Portanto, não cabe dúvida razoável: trata-se de um profissional altamente qualificado em seu campo de atuação. O juiz, porém, arriscou-se em área na qual é amador ao lançar "Xeque-Mate".

MALVADA LITERATURA
Pouco lhe vale tratar-se de uma narrativa que reúne casos enfrentados por um protagonista também magistrado, respeitado por sua independência e senso de justiça, torturado por seu perfeccionismo, seus escrúpulos, bem como pelos ciúmes dos colegas e da mulher.
A literatura é processo usualmente alheio a propósitos edificantes, e, pior, dispensa tratamento cruel a quem falta talento para lidar com a língua.
De Sanctis, infelizmente, padece essa crueldade em todos os aspectos da composição de sua novela. Titubeia no domínio formal do idioma; a elocução é bacharelesca, prenhe de clichês e sentenciosidades ao gosto popular; é frouxa a caracterização das personagens, todas abstratas, entregues a qualificativos genéricos como "dignidade", "ideal" ou "respeito"; a sequência das ações é dispersiva quando não é redundante e se dilui numa intriga rala, irresolvida numa peripécia aleatória, pois mal assentada na narrativa incongruente.
Evidentemente De Sanctis não se torna um juiz menos admirável pelo equívoco de sua aventura literária, assim como a sua literatura não se tornou melhor pela sua qualidade moral e profissional como magistrado.
A afirmação não deve chocar ninguém: a antiga expulsão dos poetas da polis, promovida por alguém que conhecia tanto a poesia como Platão, é um enunciado eloquente dessa indiferença da literatura às ideias do bem, do justo e até do belo.
A nós, não nos resta senão esperar que o bom juiz permaneça na companhia dos bons e não se deixe afetar pelos maus tratos da malvada literatura.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp


XEQUE-MATE

AUTOR Fausto de Sanctis
EDITORA Editora Gol
QUANTO R$ 49 (187 págs.)
AVALIAÇÃO ruim




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