São Paulo, quinta, 6 de agosto de 1998

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'Polacas' mexe no caso real das prostitutas judias de SP

Divulgação
As polacas do diretor Iacov Hillel, da peça que estréia amanhã no teatro Maria Della Costa, na Consolação



Peça revive tabu das mulheres 'comercializadas' no Brasil do começo do século; 'Não somos perfeitos', diz o diretor, Iacov Hillel


IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

Estréia amanhã, no teatro Maria Della Costa, a peça "As Polacas", do diretor Iacov Hillel. A montagem conta a história real das prostitutas judias no início do século no Brasil. A peça é um drama musical baseado no romance "Jovens Polacas", de Esther Largman (editora Rosa dos Tempos). A personagem central é Sarah, jovem polonesa de origem judaica que se casa com um estranho que aparece em sua aldeia. O casal vem ao Brasil, onde o marido, um cafetão já com várias mulheres, obriga Sarah a se prostituir. Para o diretor Iacov Hillel, 49, "esse é um lado escuro e esquecido da história dos judeus no Brasil. É um tabu, por várias razões. Uma delas é que as mulheres judias eram exploradas e enganadas pelos próprios judeus. Outra razão é que o judeu, que sempre foi tão perseguido, tenta manter uma imagem de povo perfeito. Não somos perfeitos. Não podemos varrer essa história para debaixo do tapete".
Tráfico de escravas
A história a que Hillel se refere começa no fim do século passado, com a organização criminosa polonesa Zwi Migdal. Baseada nos Estados Unidos, Argentina e Brasil, a máfia era especializada no tráfico de escravas brancas, mais especificamente, judias.
Para isso, os cafetões se embrenhavam nas aldeias pobres da Europa Oriental, em países como Polônia, Romênia, Hungria e Rússia.
O método de recrutamento era torpe: os cafetões procuravam as famílias mais necessitadas e ofereciam a possibilidade de casamento e vida nova na América.
Apresentavam-se como comerciantes ricos e escolhiam, em geral, a filha mais velha. A razão dessa preferência é que, mais tarde, teriam oportunidade de recrutar também as irmãs menores.
Ao chegarem aqui, as recém-casadas eram jogadas em bordéis. Sob risco de espancamento, acatavam as ordens. E viravam polacas.
Uma de suas características -que se repetiu em São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Nova York e Buenos Aires- foi a criação de sociedades de ajuda mútua. Discriminadas pela comunidade judaica, era por meio dessas entidades que as polacas garantiam seus direitos (leia textos nesta página).
A Zwi Migdal foi desmontada na América Latina nos anos 30, após sofrer forte perseguição do governo argentino. A ascensão do nazismo na Europa também desencorajou novos recrutamentos.
Segundo a historiadora Beatriz Kushnir, que escreveu a tese "Baile de Máscaras" (editora Imago) sobre o assunto, o primeiro registro de chegada de judias nessa situação ao Brasil é de 1867.
Mas não há como saber quantas vieram. "Elas não entravam no país se apresentando como prostitutas. Por isso, só sabemos das que se filiaram em associações. Em SP, foram entre 200 e 300", afirma.
É a mesma dificuldade da historiadora Margareth Rago. "Era grande o número de mulheres traficadas para a América do Sul?", escreve Rago em seu "Os Prazeres da Noite" (editora Paz e Terra). "Possivelmente, sim", responde.


Peça: As Polacas Quando: a partir de amanhã, às 21h Onde: teatro Maria Della Costa (r. Paim, 72, Consolação, tel. 011/256-9115) Quanto: R$ 20 e R$ 25



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