São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2000

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OUTRO LADO
Criadora do pavilhão afirma que não pertence a "patota" e que espaço é um sucesso
Lessa responde às críticas sobre Hannover


Diretora diz que ela e sua equipe, de 30 pessoas, receberam R$ 490 mil por até um ano e três meses de trabalho

NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA

Nos últimos meses, escreveu-se sobre Bia Lessa, 42, que ela é da "patota" das artes, sempre presente "onde circulam altas cifras do Tesouro". E que por isso foi chamada para criar o pavilhão brasileiro na Expo 2000, em Hannover (Alemanha).
Escreveu-se que ela "fez a campanha eleitoral de FHC" e "é historicamente ligada ao PSDB" -em frases acompanhadas do registro de que foi contratada sem licitação.
Escreveu-se que ela recebeu quase R$ 600 mil, dos R$ 18,8 milhões gastos pelo governo no pavilhão. Que criou uma "barraca de acarajé para gringo ver". E mais: "Fora a Bia Lessa!".
As frases foram publicadas na Folha -e em outros jornais, com formulações diferentes. A diretora evitou responder às críticas na época. A seguir, ela apresenta sua versão da história.

Folha - Para começar, o dinheiro. O investimento no pavilhão passou por você?
Bia Lessa -
Nunca tive acesso às contas, aos valores, à escolha de quem iria executar o projeto... Antes de falar do dinheiro, quero dizer que até agora não respondi às acusações que me foram insistentemente feitas porque sempre acreditei que o trabalho é capaz de responder melhor a todas as questões.
Mas, no caso do pavilhão em Hannover, a obra está distante do Brasil e são poucas as informações que chegam pelos meios de comunicação. O pavilhão está entrando no seu quarto mês de exibição e os resultados já são bem concretos: 1,5 milhão de visitantes, 40% dos espectadores que passam pela Expo visitam o espaço do Brasil.
Neste momento, falo com o intuito de esclarecer as inverdades que foram publicadas, sem reforçar um bate-boca com os jornais e sem que as respostas pareçam justificativas vazias de um trabalho fracassado.
Estamos num momento de comemoração, toda a equipe responsável pelo projeto, todos os artistas, pessoas, cientistas que estão expostos no pavilhão. Aproveito para agradecer o esforço de todos.

Folha - O dinheiro?
Lessa -
Bom, quando me chamaram para fazer o pavilhão, eu disse que faria desde que tivesse absoluta autonomia e liberdade. É uma cláusula que faz parte de meu contrato e que prevê também a impossibilidade de alteração do projeto.
Estou dizendo isso para esclarecer que não tenho nenhum envolvimento com a execução. Meu único envolvimento foi o de acompanhar e orientar a obra sempre que necessário. Mas posso atestar que a execução foi feita com muita competência.
O que recebemos, eu e uma equipe de 30 pessoas, entre arquitetos, engenheiros, pesquisadores, artistas, assistentes e outros, por um período, em alguns casos, de um ano e três meses de trabalho, foi a quantia de R$ 490 mil, já deduzidos os impostos.
Essa verba correspondia à execução da tarefa de concepção artística do pavilhão do Brasil em Hannover; aos trabalhos de concepção arquitetônica, o projeto acústico, elétrico, cálculo estrutural etc.; o de pesquisa artística, econômica, científica, social, englobando todo o território nacional; o de curadoria, para a seleção de todo o material expositivo; mais programação visual, supervisão artística, acompanhamento da execução da obra e supervisão da manutenção do pavilhão -e todos os gastos de produção referentes a essas etapas.

Folha - As 30 pessoas que você mencionou são da sua empresa?
Lessa -
Não. Eu não sou uma empresa, mas uma pessoa. Para cada trabalho, chamo alguns profissionais que acho adequados àquele projeto.
Para o pavilhão, chamei o Gringo Cardia para fazer direção de arte; o Paulo Pederneiras para fazer o design de luz; a Maria Lucia Montes para coordenar a pesquisa; o Luís Alberto de Oliveira para coordenar a área científica; o Martin Corullon para fazer o design de espaço, ele que já havia trabalhado comigo e o Paulo Mendes da Rocha em outros trabalhos; o Dany Roland para a pesquisa musical.
Uma equipe que pudesse cumprir a tarefa num espaço tão curto de tempo e que tivesse indiscutíveis contribuições a fazer. Para a etapa de execução, em torno de 300 pessoas foram convidadas: Arnaldo Antunes, Marcelo Dantas, Etel Carmona, Raquel Arnaud, Rubens Fernandes Jr., fotógrafos, artistas plásticos etc.
Cada grampo que está exposto, cada palavra escrita, passou por nós. Vimos, discutimos, refizemos. E continuamos fazendo agora, durante a manutenção, para que o trabalho não seja descaracterizado. É um trabalho diário.
Quando eu dirijo um espetáculo, depois da estréia eu assisto a quase todas as apresentações. O teatro tem essa vantagem. Você pode refazê-lo diariamente. Não tem a dor do escritor que não pode refazer um parágrafo, depois de publicado o livro. Teatro é especial nesse sentido.
No caso da Expo, é o oposto. O trabalho tem de ser mantido, não pode ser descaracterizado. Essa também foi uma de minhas exigências contratuais: que o trabalho não fosse descaracterizado. Uma lâmpada que falte, uma publicidade que se coloque, o trabalho vai pelo ralo abaixo.

Folha - E quanto à falta de licitação?
Lessa -
Eu acredito que tenha sido convidada por causa da exposição "Brasileiro Que Nem Eu. Que Nem Quem?" e por causa do filme "Brasil", que está em fase de montagem e nos levou a conhecer muitas regiões brasileiras. Quanto à contratação, ela foi feita por meio da lei 8.666/93, que abre mão da licitação.

Folha - Você nunca fez campanha para Fernando Henrique?
Lessa -
Eu nunca fiz campanha para o Fernando Henrique nem para ninguém. E, se tivesse feito, o trabalho seria pior? Também não conhecia o Paulo Henrique (Cardoso, filho de FHC e membro do comissariado que organizou o pavilhão brasileiro), como foi amplamente divulgado. Não faço parte de nenhuma patota, até sou bem solitária.

Folha - Você não tem uma ligação histórica com o PSDB?
Lessa -
Nenhuma.

Folha - Tem também as viagens.
Lessa -
É, saía no jornal: "Bia foi dez vezes à Europa". Fomos uma vez, eu, o Martin Corullon e o meu assistente, para conhecer o espaço e ter reuniões técnicas com a Expo. Depois fomos em maio, já para a supervisão da execução, ficando até a inauguração em 1º de junho. Depois eu fui mais uma vez para a manutenção.

Folha - Um procurador da República disse que iria processar você: "Com esse processo, vou pedir que ela devolva todo o dinheiro". Isso foi em frente?
Lessa -
Se ele de fato deu essa declaração, deveria na época estar mal informado. E depois, de posse dos dados, percebeu que não havia nada irregular com nossos trabalhos. Afinal, fomos convidados a fazer um projeto, apresentamos um orçamento que foi aprovado e cumprimos a tarefa. Hoje, o pavilhão do Brasil é o quarto mais visitado da Expo. E é bom lembrar que estamos ao lado de países que gastaram US$ 140 milhões e levaram seis anos para executar os pavilhões.


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