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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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E agora, companheiro?

Ana Carolina Fernandes - 4.set.2002/Folha Imagem
O arquiteto e escritor Oscar Niemeyer em seu escritório no Rio, onde escreveu sua novela "E Agora?"



Na novela "E Agora?", o arquiteto Oscar Niemeyer faz da história de um ex-revolucionário em dúvida sobre a possibilidade da revolução um meio de exprimir suas posições políticas


ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Da mesma maneira que gosta de escrever sobre seus projetos arquitetônicos para torná-los mais compreensíveis, Oscar Niemeyer, 95, desenha a si mesmo em textos de ficção, normalmente lançados sem nenhum estardalhaço. O mais recente deles é a novela "E Agora?", que chegou há pouco às livrarias.
É inevitável traçar um paralelo entre a vida do comunista e a do personagem Lucas, protagonista da história. Trata-se de um ex-revolucionário intransigente com o capitalismo que, confuso sobre as possibilidades reais de uma revolução no mundo contemporâneo, opta pelo refúgio sereno, com sua secretária e companheira, na litorânea São Pedro da Aldeia, no Rio, para escrever um livro, longe dos jornalistas e dos admiradores.
"O livro foi mais um desabafo, exprime a vontade de deixar claro o que penso sobre a vida e o mundo", diz Niemeyer em entrevista à Folha por e-mail de seu escritório, "debruçado sobre a praia de Copacabana", no Rio.
Sem meias palavras, a relação entre a ficção e os eventos recentes da política, como a posse de Lula, a invasão do Iraque pelos EUA e as execuções recentes na Cuba de Fidel Castro, intensifica o ar de dúvida que se mistura ao tom de bonança que determina o ritmo da narrativa de "E Agora?".
"O que mudou mesmo foi a posse espetacular do Lula, as promessas de combater a fome e a miséria. (...) Alguns, otimistas em demasia, acreditam que, se Lucas ainda estivesse vivo, aceitaria retardar um pouco a sua revolução. Outros dizem que não: para eles, enquanto houvesse capitalismo, Lucas estaria revoltado. De arma na mão", escreve Niemeyer.
Essa intimidade do arquiteto com o universo literário não é novidade. Uma amostra desse seu caminho pela ficção já havia sido reunida no livro "Meu Sósia e Eu" (Revan), em 1992. Se naquelas histórias construiu personagens que agora retornam, como seu próprio sósia, o personagem central Lucas já havia estrelado no conto "Diante do Nada", em 1999.
A precisão de sua escrita, aqui traduzida nos capítulos curtos do livro, pode tentar o leitor a compará-la com as linhas das construções revolucionárias do arquiteto. No entanto, a fonte de sua técnica refinada talvez esteja no desejo confesso de Niemeyer de ser escritor ou, melhor ainda, talvez já estivesse declarada em "As Curvas do Tempo" (Revan), as memórias lançadas em 1998:
"Com o tempo, sentia-me pouco informado nos assuntos fora da arquitetura e resolvi deles me ocupar. (...) E li. Li muito. Li como quem nada sabe e tudo quer aprender. Li com a devoção com que li, anos antes, a obra de Le Corbusier".


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