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E AGORA, COMPANHEIRO?
Oscar Niemeyer comenta a política pós-Lula
"Quando a miséria cresce, só a revolução"
DA REPORTAGEM LOCAL
Na entrevista a seguir, mantendo o clima sereno de sua novela
"E Agora?", o arquiteto Oscar
Niemeyer, 95, fala, entre outros
assuntos, de suas expectativas e
da situação atual do governo Lula,
da reforma agrária e de sua literatura, escrita, como gosta de dizer,
"modestamente, com o meu pequeno vocabulário, como que
conversando".
(ROGÉRIO EDUARDO ALVES)
Folha - É inevitável que a leitura
de sua novela "E Agora?" remeta à
sua biografia...
Oscar Niemeyer - Lucas representa os meus velhos camaradas
do PCB, ainda a pensar na revolução e no mundo injusto em que
viviam.
Folha - Quando surgiu a idéia para "E Agora?"?
Niemeyer - Um dia, como outro
qualquer... Na verdade, gostaria
de ser escritor. Como me agradava ver o Jorge Amado, meu amigo, a escrever os seus romances, a
imaginar as figuras mais vadias e
surpreendentes!
Folha - A impressão que se tem ao
ler "E Agora?" é que o ato de escrever serviu para o sr. organizar seus
pensamentos a respeito do momento atual...
Niemeyer - Eu não sou escritor.
O meu livro foi mais um desabafo, exprime a vontade de deixar
claro o que penso sobre a vida e o
mundo.
Folha - Com Lula no poder é hora
de deixar as armas revolucionárias
e esperar?
Niemeyer - Sempre disse que o
Lula pretende melhorar o regime
capitalista, o que para nós comunistas é impossível. Mas reconhecemos que em alguns pontos sua
atuação pode ser útil. Refiro-me,
por exemplo, à unificação da
América Latina, uma tarefa que
agora, com a participação dos
presidentes da Argentina e da Venezuela, se faz possível. O problema do Mercosul parece bem encaminhado; e a própria política
externa é correta. Quanto à política interna, aguardamos as mudanças necessárias à defesa e ao
desenvolvimento da economia
nacional.
Acredito muito no inesperado.
Com uma invasão na Amazônia
-hipótese por todos os motivos
indesejável-, tudo se modificaria, reunindo todos os brasileiros,
civis e militares, a lutarem por
nossa soberania, mais sensíveis às
idéias de liberdade e justiça que
defendemos.
Folha - Passado um pouco da
"posse espetacular" de Lula, como
o sr. entende o governo?
Niemeyer - Mesmo satisfeitos de
vermos um operário no poder,
faltam definições por parte do governo atual. A questão da reforma
agrária, por exemplo, é para nós
fundamental. Ah, como nos revolta ver milhares de brasileiros a
caminharem pelas estradas em
busca do teto e da terra que há
muito lhes deviam pertencer!
Ah, quando a miséria cresce e a
esperança foge do coração dos
homens, só a revolução!
Folha - Ao mesmo tempo em que
Lucas parece cansado e paciente, o
sr. pronuncia-se em favor da revolução cubana e de Fidel Castro por
meio de uma nota final. O livro e a
nota não são antagônicos?
Niemeyer - Acho que não. Como
seria mais difícil repetir Fidel neste continente imenso que é o nosso país!
Folha - Mais uma vez, seu sósia
surge na história, a exemplo de sua
coletânea anterior "Meu Sósia e
Eu". Como surgiu a idéia desse personagem de si mesmo?
Niemeyer - Talvez corresponda à
lembrança de antigos camaradas
do velho PCB, radicais, incorruptíveis, voltados para a luta política
como uma religião.
O partido para mim foi uma escola, a maneira de ver a vida de
forma mais humana e solidária. É
claro que sem o otimismo de
quem pensa resolver o problema
do mundo e do ser humano tão
insignificante.
Folha - O sr. tem o costume de escrever desde quando?
Niemeyer - Quando faço um
projeto e chego a uma idéia mais
definida, escrevo um texto, explicando o meu projeto. E, se, ao lê-lo, os argumentos me parecem
frágeis, volto à prancheta outra
vez. Na maioria dos casos, é com
essa explicação que encontro
aprovação para os meus trabalhos. Ninguém entende de arquitetura, e muito menos dos pequenos segredos que ela apresenta.
Folha - Há algum novo projeto?
Niemeyer - Estou escrevendo
um livro sobre as casas onde morei. Como me comove lembrar as
coisas antigas, a família, os amigos, as alegrias e tristezas das nossas pobres vidas! E, ao correr da
pena, sem a preocupação de fazer
literatura, mas apenas de me distrair um pouco.
Folha - O sr. já encontrou sua São
Pedro da Aldeia, como Lucas?
Niemeyer - O trabalho me ocupa
tanto que, na verdade, o lugar onde eu fico, trabalho, encontro os
amigos, assisto às aulas de filosofia e cosmologia, é o meu escritório, debruçado sobre a praia de
Copacabana, vendo ao longe as
montanhas de Niterói, de onde
veio meu avô Ribeiro de Almeida,
muitos anos atrás.
Folha - De que forma o sr. enxerga sua composição literária em relação às linhas arquitetônicas?
Niemeyer - No campo da arquitetura me sinto à vontade, tranquilo, satisfeito com o que vou
realizar. Ao fazer um texto, nada
disso acontece; e é modestamente, com o meu pequeno vocabulário, como que conversando, que
procuro escrever.
Folha - Vimos o sr. no enterro do
empresário e jornalista Roberto
Marinho, criador das Organizações
Globo, morto dia 6/8 aos 98 anos. O
sr. se importaria de falar como era
a relação entre vocês?
Niemeyer - Uma única vez me
lembro ter estado com Roberto
Marinho, levado por Darcy Ribeiro, que com ele queria conversar.
Mas, como comunista, sempre levei em conta a maneira solidária
com que defendia os seus funcionários perseguidos pela polícia
política. E isso para mim é fundamental.
E AGORA?. De: Oscar Niemeyer. Editora:
Paz e Terra. Quanto: R$ 14 (60 págs.).
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