São Paulo, quinta-feira, 06 de setembro de 2007

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Pontos de ônibus oferecem livros

A 10 km de biblioteca inativa de Brasília, projeto de açougueiro cria espaços para retirada gratuita de volumes

Bibliotecas populares oferecem 10 mil livros, de Scott Fitzgerald a auto-ajuda e enciclopédias, sem prazo de devolução nem multa

Lula Marques - 23.ago.2007/Folha Imagem
Biblioteca em parada de ônibus na quadra 712, na parte norte da via W3; projeto Parada Cultural conseguiu patrocínio da Caesb e da Embaixada da Espanha

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Paralela ao Eixão, a megapista que corta de ponta a ponta as "asas" do avião de Brasília, a via W3 reúne elementos urbanos que, da capital planejada, são o que mais lembra o centro de uma metrópole convencional: um comércio profuso e desordenado, sinais de trânsito e, mais estranho ainda ao Plano Piloto, muitas esquinas.
A novidade que difere a W3 de qualquer outra avenida do país está em pontos de ônibus da sua parte norte. Entre as quadras 712 e 713, a 10 km da inaugurada mas inativa Biblioteca Nacional, nasceu há dois meses e meio um projeto que, engenhoso, barato e de alto retorno ao público, é uma antítese da empreitada na Esplanada.
A Parada Cultural impressiona pela singeleza: uma biblioteca pública foi montada em pontos de ônibus, de onde qualquer um, passageiro ou não, pode retirar livros de graça. Durante o dia, um funcionário registra as retiradas; a partir das 18h, basta ao usuário pegar o livro e anotar nome e contato numa papeleta. Não há prazo para devolução, cobrança nem multa.
Com o sucesso da matriz, minibibliotecas foram instaladas em outras quatro paradas. Ao todo, são quase 10 mil livros.
Concebido pelo baiano Luiz Amorim, 42, misto de açougueiro e agitador cultural alfabetizado aos 16 anos, o projeto reflete idéias singulares. "Minha inspiração é a literatura. Se você lê grandes pensadores, Gramsci, Sartre, Nietzsche, Hobsbawm, é levado a refletir: "Que ação posso fazer para chegar a uma sociedade melhor?"."
"Veja o modelo de biblioteca pública no país", prossegue, "é difícil e burocrático, fica longe de casa, tem de levar documento, pagar multa por atraso...".
Amorim conseguiu patrocínio da Caesb (companhia de saneamento do DF) e da Embaixada da Espanha, R$ 40 mil por um ano. Agora, busca parceiros que possam adotar outras paradas. Os livros vieram de doações e de seus empreendimentos, o Açougue Cultural T-Bone, que vende carnes e empresta livros, e uma ONG que promove palestras, shows e saraus.
Há de tudo nas prateleiras, inclusive literatura de primeira. Tolstói, Júlio Verne, Camus, Monteiro Lobato e Scott Fitzgerald se misturam a livros escolares, de auto-ajuda, Seleções Reader's Digest e enciclopédias. Até hoje, ele jura, nenhum livro foi furtado das paradas.
Numa noite de agosto, enquanto esperava o ônibus para casa, em Riacho Fundo 1, periferia de Brasília, a comerciária Tânia Cruz lia em pé "Amor de Perdição", de Camilo Castelo Branco, que pegara dias antes. "É uma história de amor proibido, superando barreiras. Não tenho tempo de ir à biblioteca, então leio nas viagens."
O estudante de história Eduardo Silva trazia junto à axila um "Síntese de História da Cultura Brasileira", de Nelson Werneck Sodré, que acabara de retirar. "O diferencial é a facilidade de pegar o livro, a fé no público. Ele pensa na construção de valores, a reciprocidade entre a sua intenção e a intenção dele. Deixa uma expectativa boa." (FÁBIO VICTOR)

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