São Paulo, Quarta-feira, 06 de Outubro de 1999
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Mostra "Sensation" intensifica debate sobre liberdade nos EUA


Museu do Brooklyn bate recorde de visitação ao apresentar animais fatiados e em formol e Virgem Maria com seios de fezes de elefante
MALU GASPAR
de Nova York

Arte, criatividade, vanguardismo ou pura provocação?
A abertura de "Sensation", a mais polêmica mostra dos últimos anos, acrescentou novos itens às discussões do público que foi ao Museu do Brooklyn, em NY, no último fim-de-semana.
E que público: 13.200 visitantes em dois dias. Nos seus 175 anos, nunca o museu havia recebido tanta gente na abertura de uma exposição de arte.
Atraídos pela polêmica em torno do quadro de Chris Ofili, "Virgem Maria", que traz fezes de elefante "decorando" uma imagem da mãe de Jesus, toda essa gente se aglomerou pacientemente em filas quilométricas, esperando uma hora ou mais para ver as cerca de 90 pinturas, esculturas e instalações que compunham a mostra, em cartaz até 9 de janeiro.
Do lado de fora, uma "guerra" de protestos: enquanto grupos católicos protestavam contra a mostra, rezando e gritando palavras de ordem, grupos favoráveis à exibição passavam abaixo-assinados contra a atitude do prefeito da cidade, Rudolph Giuliani, que ameaça suspender o subsídio governamental à instituição.
Um manifestante chegou, inclusive, a atirar fezes contra a porta do museu. Ao ser contido pelos policiais, argumentou que estava exercendo o seu direito à liberdade de expressão.
Do lado de dentro, um áudio sobre a exposição, com a narração do cantor britânico David Bowie, guiava os visitantes com voz pausada e suave. Bowie, que é fã do grupo representado pelos 42 artistas expostos, provoca o público. "Isto é arte?", pergunta ele várias vezes, enquanto descreve as obras.

Obras polêmicas
A resposta não é unânime. Indignada, uma mulher que se identificou apenas como Carrie não resistiu à vídeoinstalação de Mona Hatoum, em que a imagem, mostrada de dentro de um prato numa mesa posta, se movimenta pelo interior de uma garganta, a da própria autora. "Isso é ridículo", dizia ela, em voz alta, olhando em volta para ver a reação de outras pessoas.
Para ela, "Virgem Maria" de Chris Ofili, foco de toda a polêmica em torno de "Sensation", é ofensiva e nonsense.
A obra, que mostra uma mãe de Jesus negra e com traços africanos, trazendo um excremento de elefante no lugar dos seios e recortes de revistas pornográficas com genitálias femininas, é protegida o tempo todo por um vidro de segurança e dois policiais.
É uma medida de prevenção. Quando foi exibida em Londres, causando polêmica parecida, "Sensation" teve um de seus quadros depredados. "Myra", de Marcus Harvey, retrata uma assassina em série que foi condenada à prisão perpétua na Inglaterra por matar e torturar crianças.
A intenção dos artistas é chocar. Para isso, mexem de maneira radical com temas polêmicos e instituições, como sexo, violência, família, vida e morte. E retratam de maneira crua e irônica temas como a pedofilia, a guerra e o mito da beleza.
"Self", o busto de Marc Quinn, feito com o próprio sangue do autor, congelado a -10ºC, era uma das que mais chamava a atenção do público. "Tentei mostrar a fragilidade da nossa transitória experiência", diz Quinn, argumentando que, ao contrário dos outros bustos já feitos, em pedra, imponentes e independentes, o dele pode deixar de existir, desde que o refrigerador seja desligado.


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