São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2001

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Na ribalta da América


Escritora lança novo romance no Brasil e comenta as críticas contra sua visão dos atentados terroristas aos EUA


RODRIGO MOURA
DA REPORTAGEM LOCAL

Susan Sontag está de novo no centro da ribalta. A escritora nova-iorquina, polêmica figura pública no debate político americano, colhe desta vez críticas às opiniões que emitiu em artigo escrito em 13 de setembro, dois dias após os ataques terroristas a seu país, e publicado pela Folha no dia 23.
"Fui pega numa espécie de tempestade de fogo. Disse que deveríamos nos lamentar juntos, mas não ser estúpidos juntos. Os ataques aos EUA são parte de uma situação histórica. Isso para mim era senso comum, mas foi visto como extremamente antipatriótico", defendeu-se, um dia após ter ido à TV rebater as críticas.
Não é a primeira vez que atos e idéias de Sontag engasgam a opinião pública. Entre 93 e 96, esteve 14 vezes na Bósnia, durante a guerra civil, levando seus críticos a dizerem que se autopromovia.
A romancista-ensaísta, responsável pela popularização de filósofos como Walter Benjamin e Roland Barthes no cenário intelectual americano, está lançando no Brasil "Na América", seu último romance, vencedor do National Book Award no ano passado.
O livro narra a história de Maryna Zalezowska (personagem inspirada na atriz polonesa Helena Modjeska), que deixa a Polônia para viver em uma comunidade na Califórnia, no final do século 19. "Na América" tem o país do momento como personagem central, pelo ângulo da possibilidade de transformação que ele encarna, como diz a autora.
Sontag conversou com a Folha anteontem. "Vamos falar sobre literatura, é mais interessante." Confira os principais trechos.

Folha - O narrador de "Na América" mostra coincidências com a sra.. O que há de autobiográfico?
Susan Sontag -
Há uma forma pela qual introduzi o romance, com a qual criei um tipo de alter ego, uma voz, uma versão de mim mesma. Emprestei alguns detalhes da minha vida a essa voz. O que gostaria de fazer nesse capítulo-prólogo, e que estou orgulhosa de ter feito, era apresentar a história mostrando como se faz uma história. Essa personagem invisível está selecionando pessoas para essa história. Não escrevi um ensaio nem uma autobiografia. Mas o livro contém algumas idéias, e eu empresto parte das minhas características a uma ou outra personagem. Mas adoro contar histórias. Estou mais interessada no mundo do que em mim mesma.

Folha - O texto inicial parece um comentário ou um metacapítulo...
Sontag -
E é o que é: uma metafábula sobre a realização do romance. Não quis usar esse termo, mas concordo. É uma espécie de "jeu d'esprit", um pequeno truque: compor uma história que é sobre contar histórias. Tive a idéia desse capítulo zero em um minuto, escrevi o primeiro rascunho em um dia e depois levei um ano reescrevendo. Gosto de contar histórias, mas também gosto de saber da forma antes. Há muitos escritores que não agem dessa forma. Entram no seu pequeno barco e navegam pelo oceano. Mas eu preciso ter uma arquitetura do livro na minha cabeça. Sem a forma não poderia começar.

Folha - A personagem principal, Maryna, tem alguns comportamentos contemporâneos, chegando a um certo feminismo moderno. Houve intenção de construir uma personagem do século 19 de maneira mais próxima do leitor atual?
Sontag -
Não penso assim. Há dois assuntos, nos quais estive pensando por muito tempo: um era um romance sobre a chegada de emigrantes à América. Não pessoas pobres, como meus antepassados, mas gente com dinheiro num navio de primeira classe.
A outra idéia era um romance teatral. Então descobri a história de uma atriz polonesa que veio para a América e se tornou uma atriz americana. Coloquei as duas histórias em uma, e há algo que as unifica: o tema da transformação.
O fato de as pessoas escolherem a América porque querem se transformar. E, claro, trabalhar no teatro, ser ator, é se transformar. Acredite-me, esses são os temas. Escrevi uma novela ambientada no século 18, "O Amante do Vulcão", depois no século 19, "Na América". A próxima vai se passar no final século 20, estou me atualizando. Quando você escreve sobre o passado, você está aqui, presente. Tem de escrever de maneira que reflita preocupações contemporâneas. Mas não há esforço para isso. É como acontece.

Folha - Seu livro sugere comparações entre o papel do teatro na Europa e nos Estados Unidos. Acha que ele pode ser lido também como uma investigação sobre as transformações na cultura desde que ela passou a ser irradiada pelos EUA?
Sontag -
Acho que o material sugere essa reflexão. Mas, de novo, não estou escrevendo ensaio. Uma vez que decidi situar a história no século 19, comecei a ler sobre o período. E descobri, entre outras coisas, que os Estados Unidos eram naquela época muito mais parecidos com o que são agora do que poderia imaginar. A maioria dos temas da vida e da cultura americanas, incluindo o comercialismo -como mais poderíamos chamar?-, estava colocada nessa época. Um romance é o tipo de trabalho que inspira reflexão, mas estou tão interessada em fazer meus leitores chorarem quanto em fazê-los pensar.

Folha - Entre seu primeiro romance, "Death Kit" (67), e "O Amante do Vulcão" (92), houve um intervalo de 25 anos. O que lhe trouxe de volta à ficção?
Sontag -
Simplesmente o sentimento de que poderia escrever algo melhor do que havia escrito antes. Comecei vários romances, dos quais desisti. E tentei outras formas ficcionais: cinema, teatro. Além disso, tinha muitas distrações. Não estive em Sarajevo para escrever sobre aquilo, só queria estar lá, trabalhar e ajudar. Não estou interessada em escrever como atividade industrial, 60 livros. Se alguém consegue fazer três ou quatro bons livros, já é tremendo.

Folha - Vimos nos últimos anos o crescimento dos estudos culturais na universidade americana. Com os ataques aos EUA, a sra. acha que essa situação, onde surgiram novas vozes, está sob ameaça?
Sontag -
Não levo isso muito a sério. Não estou mais no mundo universitário, acho que é um mundo pequeno e fechado. O que mais me impressiona nos Estados Unidos agora é quão conformistas eles ficaram. Há muitas tendências conformistas, entre a elite e o público geral, desde 11 de setembro. Sou uma antiga crente da liberdade de expressão, da diversidade, do debate. E esses valores americanos estão literalmente sob ataque porque o país se definiu como estando em guerra. E, numa guerra, você tem que desistir da sua liberdade. Este é o sentimento agora, isso é real para mim.


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