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Na ribalta da América
Escritora lança novo romance no Brasil e comenta as críticas contra sua visão dos atentados terroristas aos EUA
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RODRIGO MOURA
DA REPORTAGEM LOCAL
Susan Sontag está de novo no
centro da ribalta. A escritora nova-iorquina, polêmica figura pública no debate político americano, colhe desta vez críticas às opiniões que emitiu em artigo escrito
em 13 de setembro, dois dias após
os ataques terroristas a seu país, e
publicado pela Folha no dia 23.
"Fui pega numa espécie de tempestade de fogo. Disse que deveríamos nos lamentar juntos, mas
não ser estúpidos juntos. Os ataques aos EUA são parte de uma situação histórica. Isso para mim
era senso comum, mas foi visto
como extremamente antipatriótico", defendeu-se, um dia após ter
ido à TV rebater as críticas.
Não é a primeira vez que atos e
idéias de Sontag engasgam a opinião pública. Entre 93 e 96, esteve
14 vezes na Bósnia, durante a
guerra civil, levando seus críticos
a dizerem que se autopromovia.
A romancista-ensaísta, responsável pela popularização de filósofos como Walter Benjamin e Roland Barthes no cenário intelectual americano, está lançando no
Brasil "Na América", seu último
romance, vencedor do National
Book Award no ano passado.
O livro narra a história de Maryna Zalezowska (personagem inspirada na atriz polonesa Helena
Modjeska), que deixa a Polônia
para viver em uma comunidade
na Califórnia, no final do século
19. "Na América" tem o país do
momento como personagem
central, pelo ângulo da possibilidade de transformação que ele
encarna, como diz a autora.
Sontag conversou com a Folha
anteontem. "Vamos falar sobre literatura, é mais interessante."
Confira os principais trechos.
Folha - O narrador de "Na América" mostra coincidências com a
sra.. O que há de autobiográfico?
Susan Sontag - Há uma forma
pela qual introduzi o romance,
com a qual criei um tipo de alter
ego, uma voz, uma versão de mim
mesma. Emprestei alguns detalhes da minha vida a essa voz. O
que gostaria de fazer nesse capítulo-prólogo, e que estou orgulhosa
de ter feito, era apresentar a história mostrando como se faz uma
história. Essa personagem invisível está selecionando pessoas para
essa história. Não escrevi um ensaio nem uma autobiografia. Mas
o livro contém algumas idéias, e
eu empresto parte das minhas características a uma ou outra personagem. Mas adoro contar histórias. Estou mais interessada no
mundo do que em mim mesma.
Folha - O texto inicial parece um
comentário ou um metacapítulo...
Sontag - E é o que é: uma metafábula sobre a realização do romance. Não quis usar esse termo,
mas concordo. É uma espécie de
"jeu d'esprit", um pequeno truque: compor uma história que é
sobre contar histórias. Tive a idéia
desse capítulo zero em um minuto, escrevi o primeiro rascunho
em um dia e depois levei um ano
reescrevendo. Gosto de contar
histórias, mas também gosto de
saber da forma antes. Há muitos
escritores que não agem dessa
forma. Entram no seu pequeno
barco e navegam pelo oceano.
Mas eu preciso ter uma arquitetura do livro na minha cabeça. Sem
a forma não poderia começar.
Folha - A personagem principal,
Maryna, tem alguns comportamentos contemporâneos, chegando a um certo feminismo moderno.
Houve intenção de construir uma
personagem do século 19 de maneira mais próxima do leitor atual?
Sontag - Não penso assim. Há
dois assuntos, nos quais estive
pensando por muito tempo: um
era um romance sobre a chegada
de emigrantes à América. Não
pessoas pobres, como meus antepassados, mas gente com dinheiro num navio de primeira classe.
A outra idéia era um romance
teatral. Então descobri a história
de uma atriz polonesa que veio
para a América e se tornou uma
atriz americana. Coloquei as duas
histórias em uma, e há algo que as
unifica: o tema da transformação.
O fato de as pessoas escolherem
a América porque querem se
transformar. E, claro, trabalhar
no teatro, ser ator, é se transformar. Acredite-me, esses são os temas. Escrevi uma novela ambientada no século 18, "O Amante do
Vulcão", depois no século 19, "Na
América". A próxima vai se passar no final século 20, estou me
atualizando. Quando você escreve sobre o passado, você está aqui,
presente. Tem de escrever de maneira que reflita preocupações
contemporâneas. Mas não há esforço para isso. É como acontece.
Folha - Seu livro sugere comparações entre o papel do teatro na Europa e nos Estados Unidos. Acha
que ele pode ser lido também como
uma investigação sobre as transformações na cultura desde que ela
passou a ser irradiada pelos EUA?
Sontag - Acho que o material sugere essa reflexão. Mas, de novo,
não estou escrevendo ensaio.
Uma vez que decidi situar a história no século 19, comecei a ler sobre o período. E descobri, entre
outras coisas, que os Estados Unidos eram naquela época muito
mais parecidos com o que são
agora do que poderia imaginar. A
maioria dos temas da vida e da
cultura americanas, incluindo o
comercialismo -como mais poderíamos chamar?-, estava colocada nessa época. Um romance é
o tipo de trabalho que inspira reflexão, mas estou tão interessada
em fazer meus leitores chorarem
quanto em fazê-los pensar.
Folha - Entre seu primeiro romance, "Death Kit" (67), e "O Amante
do Vulcão" (92), houve um intervalo de 25 anos. O que lhe trouxe de
volta à ficção?
Sontag - Simplesmente o sentimento de que poderia escrever algo melhor do que havia escrito
antes. Comecei vários romances,
dos quais desisti. E tentei outras
formas ficcionais: cinema, teatro.
Além disso, tinha muitas distrações. Não estive em Sarajevo para
escrever sobre aquilo, só queria
estar lá, trabalhar e ajudar. Não
estou interessada em escrever como atividade industrial, 60 livros.
Se alguém consegue fazer três ou
quatro bons livros, já é tremendo.
Folha - Vimos nos últimos anos o
crescimento dos estudos culturais
na universidade americana. Com
os ataques aos EUA, a sra. acha que
essa situação, onde surgiram novas vozes, está sob ameaça?
Sontag - Não levo isso muito a
sério. Não estou mais no mundo
universitário, acho que é um
mundo pequeno e fechado. O que
mais me impressiona nos Estados
Unidos agora é quão conformistas eles ficaram. Há muitas tendências conformistas, entre a elite
e o público geral, desde 11 de setembro. Sou uma antiga crente da
liberdade de expressão, da diversidade, do debate. E esses valores
americanos estão literalmente sob
ataque porque o país se definiu
como estando em guerra. E, numa guerra, você tem que desistir
da sua liberdade. Este é o sentimento agora, isso é real para mim.
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