|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NA BOCA DO POVO
Peleja entre George Bush e Osama bin Laden já rendeu, no Nordeste, cerca de 90 folhetins diferentes
Tragédia americana reacende os cordéis
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
É o fim do mundo. O atentado
terrorista de Nova York fez a literatura de cordel estremecer o
Nordeste como nos velhos tempos, quando era uma espécie de
CNN com graça e rima, capaz de
levar aos grotões as tragédias internacionais e conquistas épicas
da humanidade, como a chegada
dos americanos à lua.
Mal abaixou a poeira das torres,
a dicção apocalíptica dos poetas
do ramo já fazia a sua zoada nas
feiras e mercados do Recife, Caruaru (PE), Juazeiro do Norte
(CE), Fortaleza e Canindé (CE),
entre outras praças de resistência
desse gênero herdado dos árabes
da Península Ibérica.
"Aí mais sangue inocente/ Será
enfim derramado/ E o anjo do
apocalipse/ Num corcel negro
montado/ Quebra o selo da guerra/ E o mundo está desgraçado",
alardeou Klévisson Viana, 28, da
novíssima geração de cordelistas,
instantes depois do ataque ao
World Trade Center, em 11 de setembro deste ano.
Com o irmão Arievaldo, 34, Klévisson compôs "O Sangreto Ataque Terrorista que Abalou os
EUA", que já vendeu cerca de
5.000 folhetos, do dia seguinte ao
atentado até a última quarta-feira,
quando os autores declamavam
suas sextilhas para os romeiros de
São Francisco das Chagas, em Canindé (CE).
Os dois cordelistas comandam
em Fortaleza a Tupynanquim
Editora, responsável pela publicação tanto de novos poetas como
de clássicos do gênero da literatura de cordel. No Ceará, a oficina
divide com a Lira Nordestina, de
Juazeiro do Norte, uma das mais
antigas do país, a maior produção
do gênero no momento naquele
Estado.
A peleja do presidente americano George W. Bush com Osama
bin Laden já provocou, na região
Nordeste, segundo levantamento
feito pela Folha junto aos poetas e
gráficas especializadas, pelo menos 90 folhetos de cordel.
"Fazia tempo que eu não via
tanta procura por um assunto
só", disse Marcelo Soares, 47, poeta, artista da xilogravura e dono
da Folheteria Cordel, oficina de
Timbaúba, no interior pernambucano.
"Na hora da tragédia, o cordel
cresce feito o cão chupando manga", acentua, com expressão superlativa, dosagem de intensidade
do lugar.
Tecnologia x perversidade
Em "A Guerra do Fim do Mundo entre a Seita Taleban e os EUA
-Para Eles o Grande Satã", Soares, como a maioria dos cordelistas que trata do assunto, aproveitou para cutucar a megalomania
do império de Bush.
"Os americanos abusaram muito da tecnologia da guerra e foram
surpreendidos pela perversidade
da mente humana", larga a sua
teoria o poeta.
Da mesma Timbaúba, saiu também, no perigo da hora, como buzinaria a emergência histórica, "A
Dolorosa Peleja de Osama bin
contra Bush", de Pedro Américo
de Faria. "Tio Sam criou Osama/
Pra combater o comunismo/
Deu-lhe armas e dinheiro/ Atiçou-lhe o fanatismo", diz o folheto, ao lembrar que o terrorista,
agora o mais procurado do mundo, é cobra criada pelo império
norte-americano.
Em Caruaru, cuja feira ao ar livre supera qualquer mercado persa, o poeta Olegário Fernandes,
sangue ibérico do agreste, continua na mesma pisada e senta a
pua nas forças de George W.
Bush. Seu folhetim "O Atentado
Terrorista e o Nosso Sofrimento"
mostra alguns dos reflexos do
chafurdo internacional para o povo nordestino.
Mesmo com incontáveis parabólicas, divertidos enfeites de tantos telhados no sertão nordestino
-normalmente adquiridas pelos
filhos migrantes que moram em
São Paulo-, o cordel tem o efeito
de sacramentar um ocorrido. Se
não deu no folheto...
"O caboclo vê na TV; uma,
duas, três vezes; aquele avião primeiro que derrubou o prédio; depois a segunda torre, valha-me
Deus, mas não tem a noção, naquele instante do que seja o bem,
do que seja o mal", disse Soares,
folhetinista de mancheia.
A maior novidade da vida em
em verso, crônica de costumes ou
geopolítica do terror, é mesmo a
moralidade que embute o crime e
castigo possível, regulamento interestadual, contrato social dos
desejos, administráveis e estudados poréns da inquietude mediável. Falei difícil? Então eu amo.
Antes, porém, ajoelho e rezo.
Texto Anterior: Infantil: Livraria Cultura faz festa para crianças Próximo Texto: Trechos Índice
|