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DRAUZIO VARELLA
A guerra dos sexos
Se você pensa que seus genes
resultam de uma combinação idílica entre os genes de seus
pais, está enganado. Pode ter havido amor no ato da concepção,
mas, na formação de seu patrimônio genético, não. Os genes
que vieram de seus pais disputaram acirradamente para assumir
posições de destaque na codificação dos mais insignificantes detalhes do futuro organismo: do gene
que codifica a proteína castanha
da cor dos seus olhos ao que regula as características da produção
de insulina pelo pâncreas, os genes mais aptos silenciaram a voz
do progenitor mais fraco.
A genética clássica imaginava
que no embrião os genes maternos e paternos se dispunham aos
pares, ordenadamente, para bem
orquestrar o desenvolvimento do
novo organismo. As características finais dos filhos seriam determinadas pelo arranjo organizado
desses genes: viessem do pai ou da
mãe, as propriedades seriam exatamente as mesmas.
De fato, tanto faz, para o filho,
se o pai tem olhos castanhos e a
mãe os tem azuis, ou vice-versa:
genes para olhos castanhos são
sempre dominantes. Quando formam um par com os que codificam cor azul, impõem sua característica -seja ela de origem paterna ou materna.
Esse dogma da genética clássica
foi abalado nos anos 90. Quando
se trata da fecundação, a relação
entre os sexos dos pais pode ser tudo, menos pacífica. Os genes masculinos e femininos que se juntam
no embrião não constituem simplesmente a semente da vida, eles
são a essência dela. Para ilustrar
essa verdade universal, o biólogo
inglês Richard Dawkins disse que
uma galinha é a melhor forma
que o ovo encontrou para fazer
outro ovo.
Como o espermatozóide e o
óvulo carregam apenas metade
dos genes necessários para a criação do novo ser, cada característica do futuro indivíduo será controlada por um gene que veio do
pai e por outro que veio da mãe. A
dominância que se estabelecerá
entre os componentes do par terá
como objetivo último proporcionar ao embrião a maior chance
possível de permanecer vivo até a
maturidade sexual, quando finalmente terá a oportunidade de
transmitir às gerações futuras os
genes recebidos de seus ancestrais. Como regra, genes apáticos,
que não souberam se impor à
vontade dos genes do cônjuge,
tendem a desaparecer do repertório genético da espécie. Os genes
que chegaram até nós só o fizeram porque elaboraram estratégias eficazes para dominar os que
foram herdados do sexo oposto.
Como os genes são moléculas de
determinada estrutura química,
o embrião em desenvolvimento é
o campo de batalha de uma guerra molecular na disputa de posições privilegiadas no genoma que
está sendo criado.
No calor da luta, os genes maternos tentam silenciar os paternos e vice-versa por meio de mecanismos bioquímicos pouco conhecidos, mas muito estudados
nos últimos anos. Veja o caso dos
genes que controlam o crescimento fetal: a intenção dos genes da
mãe é manter o crescimento do
feto dentro de determinados limites, para evitar problemas de parto e consumo excessivo de energia, afinal, quanto maior o filhote, mais energia a mãe terá de investir na sua gestação. O interesse
dos genes masculinos é oposto:
quanto maior o feto ao nascer,
maior a probabilidade de sobrevivência e propagação das características paternas.
A existência de interesses sexuais conflitantes em relação ao
tamanho do embrião está bem
documentada em animais e plantas. Mas é nos mamíferos que ela
se estabelece de maneira mais nítida, porque neles o feto parasita
o organismo materno por longo
período de tempo. O interesse
evolucionista do macho é fecundar o maior número de fêmeas
que puder e conseguir que elas invistam o máximo de energia na
gravidez para garantir filhotes
mais fortes. O da fêmea é controlar o crescimento fetal e poupar
energia para futuras concepções
(quem sabe em parceria com outros machos para gerar prole com
maior diversidade genética).
O fenômeno descrito acima, segundo o qual um gene silencia o
do sexo oposto, é chamado de
"imprinting". Em ratos, ele foi demonstrado com elegância por um
grupo da Universidade de Princeton: fêmeas monogâmicas acasaladas com machos poligâmicos
deram à luz recém-nascidos que
pesavam mais do que 20 gramas.
O acasalamento inverso, fêmeas
poligâmicas com machos monogâmicos, geraram filhotes com
dez gramas ao nascer.
Conclusão: quanto maior a
oferta de espermatozóides diferentes geneticamente, mais ferozes se tornam os genes femininos
para silenciar os masculinos no
controle do tamanho do feto e garantir menor investimento energético em cada gravidez.
Charles Darwin foi o primeiro a
imaginar que qualquer comportamento repetido com regularidade por uma espécie tivesse sua
lógica baseada na dinâmica da
seleção natural. O exemplo mais
óbvio é a atração que os animais
sentem pelo sexo oposto. Na síntese que fez dos pensamentos de
Darwin, Theodosius Dobzhansky,
um dos maiores geneticistas do
século 20, percebeu que qualquer
fenômeno biológico, para ser entendido, precisa ser analisado à
luz da seleção natural -ou não
terá sentido algum. O que nenhum dos dois cientistas imaginou foi que a seleção natural fosse
um acontecimento que se iniciasse tão precocemente na vida de
cada organismo, com a disputa
acirrada entre os genes maternos
e paternos egoisticamente empenhados em adquirir posição de
destaque para garantir sobrevivência nas gerações futuras.
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