|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"OS FARSANTES"
Editada em 66, trama denuncia ditadura no Haiti e teve versão filmada com Richard Burton e Elizabeth Taylor
Greene reflete paixão pela miséria do mundo
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando "Os Farsantes" foi
editado, em 1966, Graham
Greene já era um dos escritores
mais conhecidos do mundo. A repercussão que o livro teve foi
enorme e ampliou-se no ano seguinte, quando virou filme, estrelado por ninguém menos que Richard Burton e Elizabeth Taylor.
O romance é uma denúncia vigorosa de uma das ditaduras mais
sanguinárias da época, a de François Duvalier, o "Papa Doc", que
tiranizou o Haiti de 1958 até morrer, em 1971, e ainda deixou em
seu lugar um herdeiro, o ainda
mais infame "Baby Doc", que reinou outros 15 anos.
Os personagens principais antecipam nos diálogos muitas das
discussões que a Teologia da Libertação começava a promover
no início dos anos 60 sobre a possibilidade de Igreja Católica e
marxismo dialogarem entre si para combater injustiças sociais em
países miseráveis como o Haiti.
Essas hesitações de católico progressista parecem hoje tão datadas quanto as diversas referências
a Brasília como uma cidade que,
de alguma forma, apontava para
um futuro esperançoso para os
humanistas, ao contrários dos
horrores promovidos pelos "tonton macoute" entre os haitianos.
Pela visão cética do narrador, o
hoteleiro nascido em Montecarlo,
de pais ingleses, mas apátrida
Brown, cínica do vigarista internacional e também inglês Jones,
ingênua do americano líder do
movimento vegetariano Smith e
idealista do comunista haitiano
Magiot, Greene faz uma análise
superficial, mas envolvente das
fraquezas típicas dos homens.
Personagem importante do
enredo é o hotel Trianon, em Porto Príncipe, na verdade o ainda
existente Oloffson, como o autor
revela na introdução. O Oloffson é
uma belíssima casa construída no
final do século 19 por uma das famílias aristocráticas locais e transformada em hotel na década de
1930, após ter servido de residência para oficiais americanos que
controlavam o país na época.
Quando Greene se hospedou no
hotel, ele era -como agora-
ponto de encontro entre artistas e
intelectuais não conservadores do
Haiti e turistas estrangeiros de alguma forma interessados mais do
que simplesmente no pitoresco e
inusitado que aquele país representa para o imaginário da maioria dos americanos e europeus.
Entre seus hóspedes frequentes
de agora estão Mick Jagger e David Byrne.
Atualmente, a direção do Oloffson está com um personagem que
poderia fazer parte da galeria de
Greene, Richard Morse, filho de
um importante historiador americano que se especializou em
Brasil e Haiti e de uma dançarina
haitiana que foi ministra da Cultura do primeiro governo eleito
do país após a queda da dinastia
Duvalier.
O hotel, onde se concentra
grande parte da ação, é em "Os
Farsantes" a representação do estranho fascínio que a miséria e a
irracionalidade exercem sobre
pessoas de sociedades afluentes
que ou não conseguem se adaptar
-por qualquer razão- em sua
terra ou resolvem partir pelo
mundo para tentar melhorá-lo.
"Os Farsantes" é bom entretenimento, como quase todo Greene.
Mas também é fonte de alguma
reflexão, ainda que não muito
profunda, sobre a natureza humana e a estranha relação entre
poetas, aventureiros ou oportunistas de nações ricas que se envolvem no mundo subdesenvolvido e se apaixonam por ele.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Os Farsantes ![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Graham Greene
Editora: Globo
Quanto: R$ 38 (350 págs.)
Texto Anterior: Cinema: Ciclo nacional coloca crianças em foco Próximo Texto: Nelson Ascher: Ao Oriente do Oriente Índice
|