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São Paulo, segunda-feira, 06 de outubro de 2003

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"OS FARSANTES"

Editada em 66, trama denuncia ditadura no Haiti e teve versão filmada com Richard Burton e Elizabeth Taylor

Greene reflete paixão pela miséria do mundo

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando "Os Farsantes" foi editado, em 1966, Graham Greene já era um dos escritores mais conhecidos do mundo. A repercussão que o livro teve foi enorme e ampliou-se no ano seguinte, quando virou filme, estrelado por ninguém menos que Richard Burton e Elizabeth Taylor.
O romance é uma denúncia vigorosa de uma das ditaduras mais sanguinárias da época, a de François Duvalier, o "Papa Doc", que tiranizou o Haiti de 1958 até morrer, em 1971, e ainda deixou em seu lugar um herdeiro, o ainda mais infame "Baby Doc", que reinou outros 15 anos.
Os personagens principais antecipam nos diálogos muitas das discussões que a Teologia da Libertação começava a promover no início dos anos 60 sobre a possibilidade de Igreja Católica e marxismo dialogarem entre si para combater injustiças sociais em países miseráveis como o Haiti.
Essas hesitações de católico progressista parecem hoje tão datadas quanto as diversas referências a Brasília como uma cidade que, de alguma forma, apontava para um futuro esperançoso para os humanistas, ao contrários dos horrores promovidos pelos "tonton macoute" entre os haitianos.
Pela visão cética do narrador, o hoteleiro nascido em Montecarlo, de pais ingleses, mas apátrida Brown, cínica do vigarista internacional e também inglês Jones, ingênua do americano líder do movimento vegetariano Smith e idealista do comunista haitiano Magiot, Greene faz uma análise superficial, mas envolvente das fraquezas típicas dos homens.
Personagem importante do enredo é o hotel Trianon, em Porto Príncipe, na verdade o ainda existente Oloffson, como o autor revela na introdução. O Oloffson é uma belíssima casa construída no final do século 19 por uma das famílias aristocráticas locais e transformada em hotel na década de 1930, após ter servido de residência para oficiais americanos que controlavam o país na época.
Quando Greene se hospedou no hotel, ele era -como agora- ponto de encontro entre artistas e intelectuais não conservadores do Haiti e turistas estrangeiros de alguma forma interessados mais do que simplesmente no pitoresco e inusitado que aquele país representa para o imaginário da maioria dos americanos e europeus. Entre seus hóspedes frequentes de agora estão Mick Jagger e David Byrne.
Atualmente, a direção do Oloffson está com um personagem que poderia fazer parte da galeria de Greene, Richard Morse, filho de um importante historiador americano que se especializou em Brasil e Haiti e de uma dançarina haitiana que foi ministra da Cultura do primeiro governo eleito do país após a queda da dinastia Duvalier.
O hotel, onde se concentra grande parte da ação, é em "Os Farsantes" a representação do estranho fascínio que a miséria e a irracionalidade exercem sobre pessoas de sociedades afluentes que ou não conseguem se adaptar -por qualquer razão- em sua terra ou resolvem partir pelo mundo para tentar melhorá-lo.
"Os Farsantes" é bom entretenimento, como quase todo Greene. Mas também é fonte de alguma reflexão, ainda que não muito profunda, sobre a natureza humana e a estranha relação entre poetas, aventureiros ou oportunistas de nações ricas que se envolvem no mundo subdesenvolvido e se apaixonam por ele.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"

Os Farsantes   
Autor: Graham Greene
Editora: Globo
Quanto: R$ 38 (350 págs.)


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