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Crítica/ambiente
Obra analisa a história da ocupação da mata atlântica de SP
MAURÍCIO TUFFANI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os temas ambientais
têm inspirado belos livros institucionais de
órgãos governamentais e também de ONGs. Mas o destino
dessas obras acaba sendo quase
sempre as estantes de burocratas e de especialistas do círculo
de relacionamento de seus
idealizadores. Lançado recentemente pela Secretaria do
Meio Ambiente do Estado de
São Paulo e pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
"Nos Caminhos da Biodiversidade Paulista" é um bem-sucedido contra-exemplo em meio
a essa enxurrada verde de publicações institucionais.
Para apresentar o percurso
histórico da ocupação dos hábitats naturais paulistas, o livro
toma como ponto de partida o
trabalho iniciado em 1886, ainda no Império, pela CGG (Comissão Geográfica e Geológica), criada pelo governo da então Província de São Paulo para
explorar e mapear sua área de
cerca de 250 milhões de hectares, equivalente ao que hoje é o
Reino Unido.
Organizado por Marcelo Leite, colunista da Folha, o livro
reconstitui caminhos trilhados
por essa comissão, retomando
também relatos mais antigos,
como os de bandeirantes e de
estudiosos viajantes. No trajeto, são lembrados componentes históricos das paisagens e é
mostrada e ilustrada com imagens sua rica diversidade de espécies animais e vegetais.
Caminho da devastação
A CGG funcionou até 1923 e
integrou especialistas que hoje
são muito mais conhecidos como nomes de ruas -como Teodoro Sampaio, Gentil de Moura
e Paula Souza. Seu trabalho visava orientar a ocupação da
área do Estado com bases técnicas e científicas. Apesar da visão conservacionista já então
presente em muitos dos membros da comissão, esse objetivo,
na prática, era o de organizar o
processo de devastação de extensas áreas da mata atlântica e
de cerrados para viabilizar a expansão da economia.
O livro mostra a marcha da
ocupação do litoral paulista para o interior como um avanço
semelhante, mas muito mais
enérgico, aos desmatamentos
ocorridos antes em outras regiões, fazendo a construção da
civilização brasileira e a destruição de quase toda a mata
atlântica parecerem as duas faces de um mesmo processo histórico e ambiental.
Essa interpretação tem como
referência principal a obra "A
Ferro e Fogo: A História da Devastação da Mata Atlântica
Brasileira", do brazilianista
Warren Dean (1932-1994). Mas
como uma característica da
construção de nossa identidade, o espírito predatório que visava "muito menos a aumentar
a produtividade do solo do que
a economizar esforços" havia
sido apontado por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982)
em "Raízes do Brasil".
Ao retomar e contextualizar
a saga da CGG, "Nos Caminhos
da Biodiversidade Paulista"
alerta não só para o futuro dos
10% de remanescentes das florestas nativas do Estado mas
também para os limites do conhecimento orientado pelo impulso do que convencionamos
chamar de progresso.
MAURÍCIO TUFFANI é assessor de comunicação e imprensa da Unesp (Universidade Estadual Paulista)
NOS CAMINHOS DA
BIODIVERSIDADE PAULISTA
Organização: Marcelo Leite
Editora: Secretaria do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo/Imesp
Quanto: R$ 100 (268 págs.)
Avaliação: bom
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