São Paulo, terça-feira, 06 de outubro de 2009

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Tailandês exibe cinema vigoroso e político em mostra parisiense

Museu de Arte Moderna exibe produções de Apichatpong Weerasethakul

ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

O nome é complicado, mas vale aprendê-lo de cor, pois designa um dos diretores mais relevantes do cinema atual: Apichatpong Weerasethakul.
Tailandês, 39 anos, admirado pela elite da crítica cinematográfica por filmes como "Mal dos Trópicos" (2004) e "Síndromes e um Século" (2006), Weerasethakul caiu agora nas graças das artes plásticas.
Tanto assim que, na última quinta, o prestigioso Museu de Arte Moderna de Paris inaugurou uma exposição-instalação do diretor, com oito curtas exibidos em telões, além de fotografias, objetos e desenhos.
Chamada "Primitive" (primitivo), a instalação esteve antes na Haus der Kunst, de Munique, e reúne parte do trabalho prévio de Weerasethakul para seu sexto longa. Na verdade, os curtas são mais que esboços de uma obra futura. Valem por si mesmos, tal a intensidade de cada um e a pertinência e beleza do conjunto.
Foram todos realizados na região de Nabua, no nordeste da Tailândia, e têm como base o livro "Um Homem Que se Lembra de Suas Vidas Passadas", escrito por um monge budista.
A ideia parece um tanto transcendental, mas foi apenas o ponto de partida para Weerasethakul fazer uma reflexão poético-política sobre a memória histórica, o esquecimento e o próprio sistema de "encarnações" do cinema.
Nabua foi nos anos 60 um ponto crítico da luta anticomunista na Tailândia. Conflitos armados, tortura e sofrimento marcaram essa região rural, mas toda essa história foi se perdendo. Houve o trauma da repressão e agora há o trauma de não saber desse passado, diz Weerasethakul -sobretudo da parte dos jovens, que são protagonistas de todos os curtas. O intuito do diretor "é reativar a memória" dos habitantes.
Mas não há nada de didatizante nos filmes. Firmemente ancorado no presente, Weerasethakul constrói sequências em que o passado se manifesta de maneira alegórica ou na forma de sinais e indícios, expressos tanto nas palavras e gestos dos homens, quanto nas formas e forças da natureza.
Assim, no extraordinário "Fantasmas de Nabua" (que pode ser visto no site www.animateprojects.org), raios e trovões explodem num descampado à noite, como se a natureza guardasse a memória das lutas noturnas travadas pelos camponeses.
Em seguida, as mesmas cenas que vimos são projetadas numa tela de pano estendida no campo -como se elas tivessem "desencarnado" de um plano da imagem e "reencarnado" em outro. A sequência termina com uma perigosa partida de futebol jogada por rapazes, com bolas de fogo.
Todos os filmes tentam mostrar como o passado irradia sua energia política sobre os habitantes de Nabua, como a utopia coletiva continua clamando, como um fantasma feroz, por uma encarnação.


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