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29ª BIENAL DE ARTES
"É obrigação moral pensar como algoz"
Polonês Artur Zmijewski, que retratou luto por morte do presidente, defende atitude ácida diante dos traumas
Série que exibe em SP mostra tumulto político em Varsóvia depois que o presidente morreu em acidente aéreo em abril
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
No avião Tupolev que despencou há seis meses no
meio de uma floresta russa
estava o presidente da Polônia e uma comitiva de representantes do país. Ninguém
sobreviveu, e logo a notícia
chegou à capital Varsóvia.
Todo o Estado desabou de
chofre. No encalço da tragédia, um luto carregado de dúvidas sobre o futuro varreu o
país. Artur Zmijewski, artista
polonês agora na Bienal de
São Paulo, fotografou tudo.
São velas acesas na calçada, multidões empunhando
bandeiras, marchas militares
e desfiles fúnebres retratados
no mais seco preto e branco.
"Depois da catástrofe, só
restou documentar tudo, tentar entender o acidente",
conta Zmijewski à Folha. "É
uma tragédia humana, pessoas morreram, o presidente,
sua mulher e figuras-chave
do poder, mas era necessário
ver isso com olhos políticos."
Isso quer dizer que, por
trás da pele plástica dessa
dor, Zmijewski tentou mostrar um tumulto latente, uma
sombra que vaza para o primeiro plano. Tratou de revelar o rastro político daquilo
que deixou acéfalo o país.
"Sempre segui as atividades políticas do povo em países diferentes", diz o artista.
"Não preciso de nenhuma
desculpa para fazer isso."
Nesse ponto, abre uma
brecha para se distanciar da
chamada arte política.
Não esconde que sua obra
está permeada de embates
com o poder, mas repudia arte que esteja a serviço de uma
ideologia. "Oscar Niemeyer é
o maior exemplo disso, é um
escravo dos políticos, sua
obra só serve aos anseios deles", critica. "Arte vira uma
só uma ferramenta se um artista se deixar ser usado."
Zmijewski parece querer
mais distância de seu objeto
de estudo. Mas se é fato que a
política e os abalos nas estruturas de poder sempre lastrearam sua obra, essa é a
primeira vez que adota uma
atitude mais passiva, deixando toda a ação passar diante
de sua lente sem interferir.
Foi diferente quando decidiu expurgar a dor das memórias do Holocausto. Zmijewski não fotografou campos de concentração desativados, não revisitou locais de
tragédia ou montes de sapatos, óculos e roupas que sobraram na soleira dos fornos.
Num vídeo, convenceu um
judeu sobrevivente da chacina a tatuar de novo o número
que o identificava no antigo
campo de concentração.
Noutro trabalho, encenou
um estranho jogo de pega-pega com homens e mulheres nus correndo dentro de
câmaras de gás desativadas.
VÍTIMA E ALGOZ
"É fácil demais ficar do lado das vítimas, mas é também uma obrigação moral
pensar como os algozes para
entender o que aconteceu",
diz Zmijewski. "Quando refaço a tatuagem, estou me colocando no lugar do algoz."
Talvez porque a vítima sofre e o torturador fica no comando da ação, o artista preferiu assumir o lado mais autoral, de quem causa a dor.
"Esse trauma nos causa
angústia e sofrimento, mas
não basta ver um lugar", diz
Zmijewski. "Minha ideia era
mudar a situação, jogar com
isso de forma mais ativa, não
ser polido com a memória."
Pela falta de polidez, foi alvo de suas críticas mais duras
até hoje. Disseram que aquilo
não era arte, e ele concordou.
"Essa é a melhor reação,
quando as pessoas percebem
que não estão diante de uma
obra, mas sim da realidade",
resume. "É o momento em
que a arte se torna parte da
realidade, algo que vem das
emoções mais profundas."
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