São Paulo, Sábado, 06 de Novembro de 1999
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O ofício de escrever em português


Os autores Pepetela (Angola) e Mia Couto (Moçambique) falam à Folha sobre as possibilidades reais de unir culturalmente os sete países lusófonos


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília


Os mais destacados escritores de Angola e Moçambique são poetas e romancistas pragmáticos. Pepetela e Mia Couto amam a língua portuguesa, mas não a idealizam.
Sabem que ela é um instrumento importante para o projeto nacional de cada um.
Mas duvidam que seja um elemento capaz de criar uma comunidade de países de língua portuguesa se não houver (como não há, ao menos por enquanto) uma convergência entre eles na geografia econômica.
Os dois autores estão no Brasil, trazidos pelo Instituto Camões (braço cultural da Embaixada de Portugal no Brasil) para uma série de palestras.
Em Brasília, falaram por duas horas com a Folha sobre o ofício de escrever e as funções da língua. Em todas as respostas, Pepetela, 58, e Mia Couto, 44, demonstraram maturidade política.
São apaixonados por livros. Mas cada um procurou alternativas para fazer sua mensagem chegar à população de países em que o livro é quase artigo de luxo.
Pepetela (cognome de Artur Pestana) faz minisséries para TV; Couto tenta o teatro e não larga o jornalismo.
Sabem que os limites nesses meios de comunicação (em especial a TV) são mais estreitos do que os da literatura em sociedades que não seguem necessariamente o modelo de democracia liberal do Ocidente e respeitam essas fronteiras.
Concordam sobre a responsabilidade dos escritores na construção do espaço de liberdade em suas pátrias.
Mas reconhecem que ambas têm problemas muito urgentes, para os quais as soluções possíveis são bipolarizadas e, portanto, exigem escolha inevitável por uma delas.
É uma conjuntura política diversa da vivida pelos criadores do sistema de democracia que se impôs ao mundo.
Eles respeitam essa diferença, assim como, ao escrever, "colocam o acento tônico", na expressão de Couto, na oralidade típica do seu continente, que é uma forma individual de pensar e de conceber o mundo.
Nenhum dos dois é romântico em relação à possibilidade de unir a língua nos sete (proximamente oito, com Timor Leste) países lusófonos do mundo.
Na sua visão, a prática social é que determina esse tipo de realidade, não acordos e leis. A língua que se fala no Brasil chega a Angola e Moçambique pela TV e pela música e se impõe, independente de decisões de Estado.
O que os governos podem fazer para ajudar o intercâmbio cultural, diz Pepetela, é, por exemplo, derrubar as barreiras alfandegárias no comércio de livros.

Ministro e biólogo
Pepetela, Prêmio Camões de 1997, foi ministro da Educação do governo de Angola, ainda no mandato de Agostinho Neto, o primeiro após a independência, em novembro de 1975.
Agora, distante da política partidária, vive das aulas de sociologia que dá na Faculdade de Arquitetura em Luanda e de conferências sobre a cultura angolana para funcionários de multinacionais que operam no país.
É autor de alguns dos romances mais vendidos na história de seu país, como "Mayombe", "Muana Puó", "Yaka", "O Cão e os Caluandas" e "A Geração da Utopia". Em quase todos, Pepetela fez o relato histórico e social de Angola nos últimos 40 anos.
Mia Couto (Mia é o apelido familiar de Emílio) é, além de escritor, jornalista e biólogo. Ensina (ecologia) na Escola de Arquitetura em Maputo e tem uma empresa que faz estudos sobre o impacto ambiental de novas obras.
Ele diz que já pensou muitas vezes em largar uma de suas atividades, mas que se impõe como obrigação mantê-las para ter uma ligação mais estreita com o país que o ajuda a escrever.
Começou na literatura com os poemas, "Raiz de Orvalho". Depois, passou para contos ("Cada Homem É uma Raça", "Contos do Nascer da Terra") e romance ("A Varanda de Frangipani").
Os principais livros dos dois autores foram traduzidos para diversas línguas. Mas, se isso os estimula a prosseguir na tarefa de escrever, não tem significado muito em termos financeiros. "No máximo, ajuda a pagar as férias", afirmam.


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