São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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Fernanda Montenegro será a chique e maldosa empresária Bia Falcão na novela "Belíssima", que estréia amanhã; à Folha, a atriz avalia a vilã, a TV e o cinema

Madame Satã

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
A atriz Fernanda Montenegro vive a empresária e antagonista Bia Falcão na novela "Belíssima", que a Globo estréia amanhã


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Oi, minha filha, vem comigo e a gente vai conversando no caminho." Fernanda Montenegro, 76, entra no carro com repórter da Folha, produtor de "Belíssima", motorista e assessora da Globo.
São 9h da última terça, e ela já gravou três cenas num avião em Cumbica, na Grande SP. Acordada desde as 4h, segue às pressas a outro aeroporto, o de Congonhas, onde finalmente embarca para o Rio. "Sim, minha filha, a rotina é violenta" quando se aceita ser vilã de novela das oito da Globo. "Gravações de segunda a sábado e às vezes no domingo."
Será assim até janeiro, quando terminam as cenas com sua personagem, a maldosa empresária Bia Falcão, assassinada após aterrorizar o elenco por aproximadamente um terço da história. Foi o combinado com o autor Sílvio de Abreu: 70 capítulos, "sem prorrogação, e ele é um homem de palavra". "A saúde já não agüenta."
Difícil de acreditar. Após "Belíssima", que estréia amanhã, a atriz tem planos de atuar novamente numa produção de Walter Salles ("Central do Brasil") e de participar de um filme nos EUA. "Estão me mandando o script para eu avaliar. Já tive convites antes, mas é sempre uma chicana, iraniana, espanhola. Para eles é tudo igual."
Entre os dois aeroportos, a garoa paulistana cairá e o trânsito se complicará o suficiente para Fernanda falar à Folha sobre "Belíssima", TV, o baixo desempenho de bilheteria de "Casa de Areia" (estrelado por ela e pela filha, Fernanda Torres), as chances de "2 Filhos de Francisco" no Oscar e a derrota do "sim" no referendo, defendido por ela na campanha.

Folha - Paulo Autran declarou recentemente à Folha que nunca mais faria TV. "Enjoei", disse. Já a sra. encara uma protagonista das oito. Pretende deixar a TV um dia?
Fernanda Montenegro -
Não sou protagonista. Os protagonistas são Glória Pires e Tony Ramos. Estou na grande coadjuvância. Não penso em deixar a TV, desde que consiga fazer outras coisas e desde que me interesse pelo projeto. "Hoje É Dia de Maria" me interessa profundamente. É um trabalho sério, busca e encontra uma linguagem. Não me arrependo de nenhuma novela que fiz, mas dificilmente faria uma inteira de novo. A saúde já não agüenta. Mas cada um escolhe a vida ou o meio de expressão. Paulo Autran é sinônimo de teatro no Brasil, e respeito que não queira mais TV.

Folha - "Belíssima" critica a ditadura da beleza. Como é isso na TV?
Fernanda -
Não é na TV, mas na vida contemporânea. É uma coisa avassaladora, vai pela publicidade alterando o querer do ser humano. A humanidade está se deixando levar pelo comércio da beleza, que no fundo não é beleza, é investimento industrial que até deturpa o sentido real da beleza.

Folha - Sílvio de Abreu diz que a beleza é o poder que faz suas próprias leis. Essas leis interferiram em sua carreira ao longo dos anos?
Fernanda -
Tenho a felicidade de nunca ter sido bonita ou ter me achado bonita. Não me sinto destituída, mas não fiz minha vida pelo caminho desse tipo de beleza. Se precisar, posso fingir. Estreei numa peça em que tinha de ser uma bela avassaladora que destruía uma família. Haviam me dado o papel da feia, mas pedi o da bonita. Fiz sucesso. Todos achavam que eu realmente era de uma beleza estonteante [risos].

Folha - Qual é a receita?
Fernanda -
Não sei [risos]. Acho que é uma questão de crença interior. Ora sou um monstro, ora uma mulher deslumbrante. Você se coloca e vai em frente.

Folha - Ia justamente perguntar se a sra. se considera bonita, mas...
Fernanda -
Hoje me considero bonita. Não de uma beleza catalogada, mas acho que sou um ser bonito, não vou ser cruel comigo. Vivi com outros referenciais em torno de mim, de mulheres deslumbrantes. Mas hoje, me olhando, eu me acho muito bem. Não digo muuuito bonita, imeeeensamente bonita. É preciso que você bote esses "achos" todos na entrevista. Mas dou pro gasto bem.

Folha - Na novela, será dona de uma fábrica de lingerie. É do tipo que investe em calcinha e sutiã?
Fernanda -
Não chego a fazer loucuras. Mas tenho as minhas particularidades muito bem defendidas [risos]. Sou libriana, gosto do que é bonito, sensível. Por que a lingerie estaria fora disso?

Folha - Que cidade é mais chique: Rio de Janeiro ou São Paulo?
Fernanda -
Cada uma tem a sua temperatura, até atmosférica. Em São Paulo, a gente se veste; no Rio, a gente se despe. Isso se completa.

Folha - Sílvio de Abreu diz que Bia Falcão será uma vilã pérfida. É sua personagem mais "sangue ruim"?
Fernanda -
Não, interpretei uma peste, a Chica Newman, de "Brilhante" [81], do Gilberto Braga. Não consigo achar minha personagem [de "Belíssima"] má. Está havendo uma dicotomia entre o autor e a atriz [risos]. Tem a conversa do Hamlet que diz: "Sou cruel porque sou justo". Na cabeça dela, ela é justa. O estrepe [André/Marcello Antony] que tenta se casar com a neta [Júlia/Glória Pires] é um estróina. Ela tem absoluta convicção de que é um gigolô barato. E acho que é mesmo. O irmão [Argerimo/Pedro Paulo Rangel] não trabalha, toma conta da mansão e vê DVD. O neto [Pedro/Henri Castelli] se mandou para a Grécia, casou-se com uma menininha de rua vagabundinha [Vitória/Cláudia Abreu]. Todos vivem à custa da velha.

Folha - Sua Bia Falcão desbancará Odete Roitman, de Beatriz Segall?
Fernanda -
Não, aquela é inalcançável, o protótipo da peste televisiva. Por mais que alguém queira chegar lá, não vai conseguir. Minha vilã não vai por aí. É uma matriarca com uma visão de mundo muito realista. Vai boicotar as pessoas, mas aquelas que estão em volta e não merecem atenção, devem ser destruídas.

Folha - A sra. é advogada dela!
Fernanda -
Sou plena advogada de defesa. E tem mais: ela chora a morte da filha o tempo todo. Só por isso, já tem 50% de perdão.

Folha - Como avalia a televisão brasileira de hoje, que exibe "Hoje É Dia de Maria" e João Kléber?
Fernanda -
Olha, é a vida [risos]. Você vai do hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, que é um protótipo de atendimento médico, ao INPS, com as pessoas morrendo na fila. Então esse é o Brasil.

Folha - Das tramas em que atuou nos anos 50, de Nelson Rodrigues, a "Belíssima", o que mudou?
Fernanda -
A novela industrializou-se, assim como o aço, a Embraer. Há pontos negativos e positivos. Queiramos ou não, é um produto de exportação cultural do Brasil. Umas coisas são maravilhosas, outras, horrendas. Cada um procure o canal que queira.

Folha - Por que "Casa de Areia" teve público tão abaixo do esperado e "2 Filhos" foi um fenômeno?
Fernanda -
Ah, minha filha, isso não sei dizer. "Casa de Areia" está fazendo uma carreira internacional esplendorosa e me deu muito prazer, me juntou com a minha filha. O brasileiro resolveu que todo filme tem de fazer 1 milhão, 10 milhões de espectadores. Woody Allen faz 90 mil no Brasil. Poucos são os que chegam a 1 milhão. Quando um brasileiro faz milhões, temos de dar graças a Deus, seja qual for. "2 Filhos" é muito bem feito. Isso não quer dizer que "Casa de Areia" ou qualquer outro que tenha uma linguagem um pouco mais ambiciosa do ponto de vista formal não se justifique.

Folha - Como veterana do Oscar, acredita que "2 Filhos" tenha chances de ser indicado e de vencer?
Fernanda -
Não sei. Todo prêmio é um acidente. Depende de tanta coisa, é um jogo violento de poder, e filmes estrangeiros entram como picolé após o almoço. Se vier para "2 Filhos", ótimo.

Folha - Como a sra., que fez campanha pelo "sim" na televisão, avalia a derrota no referendo?
Fernanda -
Isso não era pra valer, mas uma distração para o momento atual. Nada vai mudar. O "sim" é mais uma posição humanista. Mas humanismo hoje é palavrão. Espero que não ponham a culpa da derrota nos artistas. Mas tudo bem se quiserem colocar. Fica fácil para todo mundo, né?


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