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Fernanda Montenegro será a chique e maldosa empresária Bia Falcão na novela "Belíssima", que estréia amanhã; à Folha, a atriz avalia a vilã, a TV e o cinema
Madame Satã
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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A atriz Fernanda Montenegro vive a empresária e antagonista Bia Falcão na novela "Belíssima", que a Globo estréia amanhã |
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"Oi, minha filha, vem comigo e
a gente vai conversando no caminho." Fernanda Montenegro, 76,
entra no carro com repórter da
Folha, produtor de "Belíssima",
motorista e assessora da Globo.
São 9h da última terça, e ela já
gravou três cenas num avião em
Cumbica, na Grande SP. Acordada desde as 4h, segue às pressas a
outro aeroporto, o de Congonhas,
onde finalmente embarca para o
Rio. "Sim, minha filha, a rotina é
violenta" quando se aceita ser vilã
de novela das oito da Globo. "Gravações de segunda a sábado e às
vezes no domingo."
Será assim até janeiro, quando
terminam as cenas com sua personagem, a maldosa empresária
Bia Falcão, assassinada após aterrorizar o elenco por aproximadamente um terço da história. Foi o
combinado com o autor Sílvio de
Abreu: 70 capítulos, "sem prorrogação, e ele é um homem de palavra". "A saúde já não agüenta."
Difícil de acreditar. Após "Belíssima", que estréia amanhã, a atriz
tem planos de atuar novamente
numa produção de Walter Salles
("Central do Brasil") e de participar de um filme nos EUA. "Estão
me mandando o script para eu
avaliar. Já tive convites antes, mas
é sempre uma chicana, iraniana,
espanhola. Para eles é tudo igual."
Entre os dois aeroportos, a garoa paulistana cairá e o trânsito se
complicará o suficiente para Fernanda falar à Folha sobre "Belíssima", TV, o baixo desempenho de
bilheteria de "Casa de Areia" (estrelado por ela e pela filha, Fernanda Torres), as chances de "2
Filhos de Francisco" no Oscar e a
derrota do "sim" no referendo,
defendido por ela na campanha.
Folha - Paulo Autran declarou recentemente à Folha que nunca
mais faria TV. "Enjoei", disse. Já a
sra. encara uma protagonista das
oito. Pretende deixar a TV um dia?
Fernanda Montenegro - Não sou
protagonista. Os protagonistas
são Glória Pires e Tony Ramos.
Estou na grande coadjuvância.
Não penso em deixar a TV, desde
que consiga fazer outras coisas e
desde que me interesse pelo projeto. "Hoje É Dia de Maria" me interessa profundamente. É um trabalho sério, busca e encontra uma
linguagem. Não me arrependo de
nenhuma novela que fiz, mas dificilmente faria uma inteira de novo. A saúde já não agüenta. Mas
cada um escolhe a vida ou o meio
de expressão. Paulo Autran é sinônimo de teatro no Brasil, e respeito que não queira mais TV.
Folha - "Belíssima" critica a ditadura da beleza. Como é isso na TV?
Fernanda - Não é na TV, mas na
vida contemporânea. É uma coisa
avassaladora, vai pela publicidade
alterando o querer do ser humano. A humanidade está se deixando levar pelo comércio da beleza,
que no fundo não é beleza, é investimento industrial que até deturpa o sentido real da beleza.
Folha - Sílvio de Abreu diz que a
beleza é o poder que faz suas próprias leis. Essas leis interferiram
em sua carreira ao longo dos anos?
Fernanda - Tenho a felicidade de
nunca ter sido bonita ou ter me
achado bonita. Não me sinto destituída, mas não fiz minha vida
pelo caminho desse tipo de beleza. Se precisar, posso fingir. Estreei numa peça em que tinha de
ser uma bela avassaladora que
destruía uma família. Haviam me
dado o papel da feia, mas pedi o
da bonita. Fiz sucesso. Todos
achavam que eu realmente era de
uma beleza estonteante [risos].
Folha - Qual é a receita?
Fernanda - Não sei [risos]. Acho
que é uma questão de crença interior. Ora sou um monstro, ora
uma mulher deslumbrante. Você
se coloca e vai em frente.
Folha - Ia justamente perguntar
se a sra. se considera bonita, mas...
Fernanda - Hoje me considero
bonita. Não de uma beleza catalogada, mas acho que sou um ser
bonito, não vou ser cruel comigo.
Vivi com outros referenciais em
torno de mim, de mulheres deslumbrantes. Mas hoje, me olhando, eu me acho muito bem. Não
digo muuuito bonita, imeeeensamente bonita. É preciso que você
bote esses "achos" todos na entrevista. Mas dou pro gasto bem.
Folha - Na novela, será dona de
uma fábrica de lingerie. É do tipo
que investe em calcinha e sutiã?
Fernanda - Não chego a fazer
loucuras. Mas tenho as minhas
particularidades muito bem defendidas [risos]. Sou libriana, gosto do que é bonito, sensível. Por
que a lingerie estaria fora disso?
Folha - Que cidade é mais chique:
Rio de Janeiro ou São Paulo?
Fernanda - Cada uma tem a sua
temperatura, até atmosférica. Em
São Paulo, a gente se veste; no Rio,
a gente se despe. Isso se completa.
Folha - Sílvio de Abreu diz que Bia
Falcão será uma vilã pérfida. É sua
personagem mais "sangue ruim"?
Fernanda - Não, interpretei uma
peste, a Chica Newman, de "Brilhante" [81], do Gilberto Braga.
Não consigo achar minha personagem [de "Belíssima"] má. Está
havendo uma dicotomia entre o
autor e a atriz [risos]. Tem a conversa do Hamlet que diz: "Sou
cruel porque sou justo". Na cabeça dela, ela é justa. O estrepe [André/Marcello Antony] que tenta
se casar com a neta [Júlia/Glória
Pires] é um estróina. Ela tem absoluta convicção de que é um gigolô barato. E acho que é mesmo.
O irmão [Argerimo/Pedro Paulo
Rangel] não trabalha, toma conta
da mansão e vê DVD. O neto [Pedro/Henri Castelli] se mandou
para a Grécia, casou-se com uma
menininha de rua vagabundinha
[Vitória/Cláudia Abreu]. Todos
vivem à custa da velha.
Folha - Sua Bia Falcão desbancará
Odete Roitman, de Beatriz Segall?
Fernanda - Não, aquela é inalcançável, o protótipo da peste televisiva. Por mais que alguém
queira chegar lá, não vai conseguir. Minha vilã não vai por aí. É
uma matriarca com uma visão de
mundo muito realista. Vai boicotar as pessoas, mas aquelas que
estão em volta e não merecem
atenção, devem ser destruídas.
Folha - A sra. é advogada dela!
Fernanda - Sou plena advogada
de defesa. E tem mais: ela chora a
morte da filha o tempo todo. Só
por isso, já tem 50% de perdão.
Folha - Como avalia a televisão
brasileira de hoje, que exibe "Hoje
É Dia de Maria" e João Kléber?
Fernanda - Olha, é a vida [risos].
Você vai do hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, que é um
protótipo de atendimento médico, ao INPS, com as pessoas morrendo na fila. Então esse é o Brasil.
Folha - Das tramas em que atuou
nos anos 50, de Nelson Rodrigues,
a "Belíssima", o que mudou?
Fernanda - A novela industrializou-se, assim como o aço, a Embraer. Há pontos negativos e positivos. Queiramos ou não, é um
produto de exportação cultural
do Brasil. Umas coisas são maravilhosas, outras, horrendas. Cada
um procure o canal que queira.
Folha - Por que "Casa de Areia"
teve público tão abaixo do esperado e "2 Filhos" foi um fenômeno?
Fernanda - Ah, minha filha, isso
não sei dizer. "Casa de Areia" está
fazendo uma carreira internacional esplendorosa e me deu muito
prazer, me juntou com a minha filha. O brasileiro resolveu que todo
filme tem de fazer 1 milhão, 10 milhões de espectadores. Woody
Allen faz 90 mil no Brasil. Poucos
são os que chegam a 1 milhão.
Quando um brasileiro faz milhões, temos de dar graças a Deus,
seja qual for. "2 Filhos" é muito
bem feito. Isso não quer dizer que
"Casa de Areia" ou qualquer outro que tenha uma linguagem um
pouco mais ambiciosa do ponto
de vista formal não se justifique.
Folha - Como veterana do Oscar,
acredita que "2 Filhos" tenha chances de ser indicado e de vencer?
Fernanda - Não sei. Todo prêmio é um acidente. Depende de
tanta coisa, é um jogo violento de
poder, e filmes estrangeiros entram como picolé após o almoço.
Se vier para "2 Filhos", ótimo.
Folha - Como a sra., que fez campanha pelo "sim" na televisão,
avalia a derrota no referendo?
Fernanda - Isso não era pra valer,
mas uma distração para o momento atual. Nada vai mudar. O
"sim" é mais uma posição humanista. Mas humanismo hoje é palavrão. Espero que não ponham a
culpa da derrota nos artistas. Mas
tudo bem se quiserem colocar. Fica fácil para todo mundo, né?
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