São Paulo, segunda-feira, 06 de novembro de 2006

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Arquitetura do presente

Seis escritórios paulistas se unem para lançar livro com projetos que exploram a renovação do moderno, a influência de Paulo Mendes da Rocha e a dimensão pública da arquitetura

Leonardo Wen/Folha Imagem
Fernando Viégas, Fábio Valentim, Cristiane Muniz e Fernanda Barbara, do Una, no IAC, projeto do escritório


MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles não assinam projetos de edifícios neoclássicos nem aparecem na TV. Muitas vezes, são reconhecidos mais fora do Brasil do que no mercado interno. Renovam os princípios da arquitetura moderna e a atualizam com novos materiais e soluções.
Seis escritórios dessa talentosa geração paulista, consolidados como representantes da boa arquitetura contemporânea brasileira, agora são reconhecidos como um grupo. Sua produção é exibida em 36 projetos no livro "Coletivo - Arquitetura Paulista Contemporânea", que será lançado hoje em São Paulo. Até o dia 12, o Centro Universitário Maria Antonia também abriga mostra sobre seus projetos.
A publicação da Cosacnaify permite observar algumas características comuns entre eles. A influência de Paulo Mendes da Rocha -o mais recente Prêmio Pritzker, espécie de Nobel da área- é evidente, assim como a importância de terem estudado na FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e, principalmente, a decisão de fazer uma arquitetura inclusiva.
"Muita gente acha que, quando a gente fala de inclusão, necessariamente se refere a habitações sociais e coisas do tipo. Apenas defendemos que o privado se integre ao público, que um projeto seja permeável ao que vem da cidade", diz Marcelo Ursini, 42, do Núcleo de Arquitetura.
Tal integração pode ser vista mesmo em projetos para clientes de alto poder aquisitivo, como um conjunto comercial e de serviços localizado na frente da Faap, no Pacaembu. "Queríamos evitar a todo custo que fosse um shopping center. Assim, há áreas abertas, uma circulação generosa entre as ruas e os volumes não são altos, dialogam com os sobrados ao lado", afirma Luciano Margotto, 40.

Moderno
Os seis escritórios não fazem uma ruptura com a arquitetura moderna brasileira, reconhecida em âmbito internacional, mas podem cometer "subversões", como frisa Marcelo Morettin, 37, do escritório Andrade Morettin.
"Em nossos projetos, assim como os dos colegas, existe certa economia nas formas, sobriedade, diálogo com o entorno. Mas a oferta de novos materiais industrializados, que permitem uma montagem mais rápida, faz com que eles ganhem novos contornos", avalia ele.
A crítica Ana Luiza Nobre destaca em seu ensaio no livro -há também textos dos críticos Ana Vaz Milheiro e Guilherme Wisnik- essa característica do Andrade Morettin, enfatizando a "montagem de componentes industriais estandardizados -chapas de policarbonato, painéis wall e osb, venezianas de vidro e telas de PVC" em suas casas.
Essa reavaliação do moderno também aparece em projetos do Projeto Paulista. O primeiro projeto que é exibido no livro, a Câmara Legislativa do Distrito Federal, foi resultado de um concurso público vencido pelo escritório. De 1989, foi retomado apenas em 2003 e ainda não está concluído.
"Como fica no Eixo Monumental, era claro que teria de haver ligação com os prédios próximos. Mas criamos um desnível e fizemos uma praça baixa, que deu um caráter mais privado ao conjunto. Assim, evitou-se a homogeneidade excessiva que poderia haver, tão lembrada quando se fala em arquitetura moderna", conta Luis Mauro Freire, 40.

Formação
A origem de "Coletivo" tem várias razões, mas uma das principais é o fato de que todo o grupo se formou na FAU entre 1986 e 1996 e partilhou uma série de experiências comuns.
"Na faculdade, havia uma recente revalorização da área de projeto. Nos anos 70, houve muita participação política e atuação em planejamento urbano, mas a parte projetual foi minimizada", diz Fernando Viégas, 35, do Una Arquitetos. "Também havia uma certeza: não queríamos optar pelo pós-moderno, com seu viés historicista", conta ele.
Assim, nomes filiados ao que ficou mais conhecido como arquitetura paulista, como Vilanova Artigas (1915-1985), Eduardo de Almeida e Paulo Mendes da Rocha, foram influências decisivas no desenvolvimento do trabalho dos então jovens estudantes.
"Para mim, então recém-chegado do Espírito Santo, no primeiro ano, assistir à defesa do Artigas foi um completo choque", diz Margotto, sobre a aula "A Função Social do Arquiteto", na qual Artigas conseguiu a titulação universitária.
"Estudar em um prédio do Artigas foi decisivo. É uma aula de arquitetura por vários anos", avalia Henrique Fina, 41, agora associado ao Projeto Paulista.

Mercado
Mesmo presentes em várias publicações internacionais e ganhadores de diversos concursos, o mercado imobiliário ignora os escritórios.
"Esse mercado deixou de ser referência. Todo esse sistema se liga mais à noção de marketing do que a de arquitetura. Os prédios corporativos da Berrini são sintomáticos. É uma arquitetura de peles e de superfície", afirma Fernando de Mello Franco, 42, do MMBB.
"O mercado e a especulação imobiliária não estão interessados em projetos mais generosos com o usuário e com a cidade. Querem explorar ao máximo a propriedade que têm e a compartimentam até não poder mais", acredita Wisnik.


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