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CINEMA - ESTRÉIA
"Amor & Cia.' traduz em cinema ironia de Eça
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O tema do adultério perpassa toda a grande literatura do século 19,
com suas sofridas Bovarys e Kareninas, sua indecifrável Capitu.
O português Eça de Queiroz
(1845-1900) frequentou o assunto
diversas vezes, mas foi na novela
"Alves & Cia." que esse fino crítico
retratou de modo mais compacto
as relações entre o amor e os negócios no casamento burguês.
Para conseguir esse efeito de
condensação do sentido, criou um
triângulo amoroso clássico, mas
rico em desdobramentos dramáticos e morais: o comerciante Godofredo Alves, sua mulher Ludovina
e seu sócio e amigo Machado.
O primeiro grande mérito do filme "Amor & Cia." é o de transplantar com eficácia o argumento
da novela para o ambiente social
de Minas Gerais do final do século
19, recém-saído da escravidão.
Transplantar talvez nem seja o
termo, pois no filme a história parece brotar naturalmente do solo
mineiro. Contribuiu muito para isso, é claro, a escolha da cidade histórica onde foram feitas as filmagens (São João Del Rey), assim como o excepcional trabalho de direção de arte e cenografia (de Clóvis
Bueno e Vera Hamburger).
Mas se o filme se baseasse só nisso correria o risco de ser uma daquelas engomadas minisséries de
época que a TV nos impinge de
quando em quando.
Não é o que acontece, sobretudo
porque o diretor Helvécio Ratton,
além de encontrar a embocadura
dramatúrgica mais fiel ao espírito
de Eça, soube traduzir em cinema
aquilo que, no livro, era puro (e engenhoso) recurso literário.
Tomemos o exemplo da cena
crucial em que Alves (Marco Nanini, ótimo) flagra Ludovina (Patrícia Pillar) trocando carícias com
Machado (Alexandre Borges).
No livro, Alves entra em casa pé
ante pé para dar a Ludovina um
presente-surpresa. "Seus sapatos
de verão, de sola fina, não faziam o
menor ruído", escreve Eça.
Quando se prepara para levantar
a cortina do "boudoir" onde julga
que está a mulher, Alves ouve "um
rumor ligeiro", vindo da sala, volta-se para lá... "E o que viu -santo
Deus!- deixou-o petrificado."
No filme, uma deslizante
"steadycam" acompanha Alves em
sua incursão casa adentro, numa
correspondência visual do "pé ante pé" descrito no livro.
Assumindo o ponto de vista de
Alves, a câmera "vê" o encontro
amoroso distorcido e fragmentado
por uma porta de vidro. Tudo se
mostra, mas nada é muito claro
-e essa ausência de certeza amplifica o tormento do ciúme.
Por sob a capa de uma narrativa
clássica e linear, "Amor & Cia." esconde uma complexa carpintaria
formal feita de sutilezas. É uma comédia de costumes a que se assiste
com prazer e, ao mesmo tempo,
um trabalho exemplar de adaptação cinematográfica.
No confuso Festival de Brasília
deste ano, "Amor & Cia." ganhou
os prêmios de melhor filme, direção de arte e atriz (Patrícia Pillar).
²
Filme: Amor & Cia.
Direção: Helvécio Ratton
Produção: Brasil, 1998
Com: Marco Nanini, Patrícia Pillar
Quando: a partir de hoje, nos cines SP
Market 10, Espaço Unibanco 2 e circuito
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