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Novatos querem trauma no cinema brasileiro
Lili Martins/Folha Imagem
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Gustavo Steinberg (esq.) e Alexandre Stockler são os responsáveis pelo manifesto "Trauma 99" e pelo longa "Cama de Gato" |
Cineastas paulistanos, que ainda não dirigiram nenhum filme, propõem um
movimento semelhante ao Dogma para revolucionar a produção nacional
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JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Eles nunca fizeram um filme,
nem de curta-metragem, e prometem revolucionar o cinema
brasileiro. Eles são jovens de boas
famílias de classe média, mas querem escancarar a violência social
que reina no país.
Alexandre Stockler e Gustavo
Steinberg, ambos de 26 anos, pretendem atingir tudo isso com um
longa-metragem e um manifesto.
O manifesto, bastante sucinto,
chama-se "Trauma 99" e está há algum
tempo na Internet, no endereço
www.camadegato.com.br. O filme chama-se "Cama de Gato" e,
por enquanto, é só um projeto,
também disponível na Internet,
no mesmo endereço.
A revolução proposta por Stockler e Steinberg começa pelo orçamento do filme. Numa época
em que os cineastas brasileiros
enterram vários milhões de dólares em seus projetos, os dois rapazes garantem que conseguem fazer seu longa com US$ 100 mil,
cerca de R$ 200 mil.
O segredo para essa economia
seria a filmagem com câmera digital -a exemplo do que ocorreu
nos filmes do Dogma (movimento de cineastas dinamarqueses
que propõe, entre outras coisas, a
produção de filmes sem efeitos especiais, com iluminação natural e
atores desconhecidos), como "Os
Idiotas" e "Festa de Família".
Apesar de terem em comum
com os "dogmáticos" dinamarqueses essa economia de produção e o fato de serem pautados
por um manifesto, os "traumáticos" paulistas ressaltam uma diferença fundamental: "Enquanto,
para eles, essa produção é uma
opção estética, para nós é o único
caminho possível", diz Steinberg.
Segundo seu companheiro
Stockler, o orçamento de US$ 100
mil de seu longa inclui já o "blow
up" -ampliação do filme- em
película de 35 milímetros no laboratório da Sony, nos EUA, e a confecção de cinco cópias.
"Se fôssemos rodar o mesmo filme com uma câmera 35 mm, gastaríamos no mínimo R$ 1,6 milhão", diz Stockler, mostrando o
projeto com esse orçamento apresentado ao Ministério da Cultura
para obtenção do certificado de
produto audiovisual.
Stockler e Steinberg escreveram
juntos o roteiro de "Cama de Gato", que será dirigido pelo primeiro e produzido pelo segundo.
Segundo eles, alguns aportes financeiros já estão garantidos, e o
filme deverá ser rodado em março, ao longo de quatro semanas.
Estupro e canibalismo
Se a forma de produção de "Cama de Gato" promete sacudir a
rotina do cinema brasileiro, o
conteúdo do filme tampouco deverá passar em branco.
No roteiro, ao qual a Folha teve acesso,
há um pouco de tudo: estupro, assassinato, canibalismo, necrofilia
e outras coisas escabrosas.
A história acompanha poucos
dias na vida de três jovens paulistanos de classe média que acabam
de entrar na faculdade e só querem, em princípio, se divertir com
um pouco de sexo, drogas e
rock'n'roll, mas, digamos, passam um pouco do ponto.
Essa trajetória é apresentada
com um sarcasmo e uma virulência que ficam a um passo do cinismo, lembrando o olhar corrosivo
dos filmes de Sérgio Bianchi.
Não por acaso, a única experiência em cinema que os dois
realizadores tiveram aconteceu
no set do mais recente longa-metragem de Bianchi, "Cronicamente Inviável" (atualmente em finalização). Steinberg foi co-roteirista e produtor executivo do filme,
Stockler foi o responsável pela direção de elenco.
A experiência maior de Stockler
e Steinberg é na área teatral. O primeiro já dirigiu vários espetáculos, entre eles "Woyzeck" (1995) e
"Na Selva das Cidades" (1996).
Dirige atualmente a peça "Linha
de Fuga", de sua autoria, em cartaz em São Paulo no Núcleo Experimental de Teatro.
Steinberg produziu e dirigiu,
entre outros, o espetáculo "100
Motivos para Acabar com o Capitalismo" e é co-produtor do espetáculo bi-cultural "Vestido de
Noiva", a ser apresentado no ano
2000 na Polônia.
Além de Bianchi, "único cineasta brasileiro que tem coragem de
tocar nos assuntos mais podres
do país", eles salvam pouca coisa
na atual produção cinematográfica brasileira: "Um Céu de Estrelas", de Tata Amaral, "Os Matadores", de Beto Brant ("com ressalvas"), "Dezesseis Zero Sessenta", de Vinícius Mainardi, "Nós
que Aqui Estamos por Vós Esperamos", de Marcelo Masagão.
""Mauá" é um lixo, "Mário" é medonho, "A Grande Noitada" é um
horror", sentencia Stockler, com
evidente prazer.
Os dois novos cineastas já têm
no papel um outro projeto, a ser
realizado depois de "Cama de Gato". Chama-se "Estado de Graça",
que eles definem como "um "Matrix" latino".
O resumo de Steinberg: "Pensa
no "Matrix", tira os efeitos especiais, mantém só o conceito e bota
muita violência social". Será, segundo Stockler, quase um filme
de antecipação, em que o cenário
é o mundo de hoje, mas com um
funcionamento diferente.
"É um mundo no qual a pessoa
se prepara durante toda a vida para ter um dia de trabalho e um dia
de consumo", explica.
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