São Paulo, Segunda-feira, 06 de Dezembro de 1999


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Novatos querem trauma no cinema brasileiro

Lili Martins/Folha Imagem
Gustavo Steinberg (esq.) e Alexandre Stockler são os responsáveis pelo manifesto "Trauma 99" e pelo longa "Cama de Gato"



Cineastas paulistanos, que ainda não dirigiram nenhum filme, propõem um movimento semelhante ao Dogma para revolucionar a produção nacional
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas



Eles nunca fizeram um filme, nem de curta-metragem, e prometem revolucionar o cinema brasileiro. Eles são jovens de boas famílias de classe média, mas querem escancarar a violência social que reina no país.
Alexandre Stockler e Gustavo Steinberg, ambos de 26 anos, pretendem atingir tudo isso com um longa-metragem e um manifesto.
O manifesto, bastante sucinto, chama-se "Trauma 99" e está há algum tempo na Internet, no endereço www.camadegato.com.br. O filme chama-se "Cama de Gato" e, por enquanto, é só um projeto, também disponível na Internet, no mesmo endereço.
A revolução proposta por Stockler e Steinberg começa pelo orçamento do filme. Numa época em que os cineastas brasileiros enterram vários milhões de dólares em seus projetos, os dois rapazes garantem que conseguem fazer seu longa com US$ 100 mil, cerca de R$ 200 mil.
O segredo para essa economia seria a filmagem com câmera digital -a exemplo do que ocorreu nos filmes do Dogma (movimento de cineastas dinamarqueses que propõe, entre outras coisas, a produção de filmes sem efeitos especiais, com iluminação natural e atores desconhecidos), como "Os Idiotas" e "Festa de Família".
Apesar de terem em comum com os "dogmáticos" dinamarqueses essa economia de produção e o fato de serem pautados por um manifesto, os "traumáticos" paulistas ressaltam uma diferença fundamental: "Enquanto, para eles, essa produção é uma opção estética, para nós é o único caminho possível", diz Steinberg.
Segundo seu companheiro Stockler, o orçamento de US$ 100 mil de seu longa inclui já o "blow up" -ampliação do filme- em película de 35 milímetros no laboratório da Sony, nos EUA, e a confecção de cinco cópias.
"Se fôssemos rodar o mesmo filme com uma câmera 35 mm, gastaríamos no mínimo R$ 1,6 milhão", diz Stockler, mostrando o projeto com esse orçamento apresentado ao Ministério da Cultura para obtenção do certificado de produto audiovisual.
Stockler e Steinberg escreveram juntos o roteiro de "Cama de Gato", que será dirigido pelo primeiro e produzido pelo segundo.
Segundo eles, alguns aportes financeiros já estão garantidos, e o filme deverá ser rodado em março, ao longo de quatro semanas.

Estupro e canibalismo
Se a forma de produção de "Cama de Gato" promete sacudir a rotina do cinema brasileiro, o conteúdo do filme tampouco deverá passar em branco.
No roteiro, ao qual a Folha teve acesso, há um pouco de tudo: estupro, assassinato, canibalismo, necrofilia e outras coisas escabrosas.
A história acompanha poucos dias na vida de três jovens paulistanos de classe média que acabam de entrar na faculdade e só querem, em princípio, se divertir com um pouco de sexo, drogas e rock'n'roll, mas, digamos, passam um pouco do ponto.
Essa trajetória é apresentada com um sarcasmo e uma virulência que ficam a um passo do cinismo, lembrando o olhar corrosivo dos filmes de Sérgio Bianchi.
Não por acaso, a única experiência em cinema que os dois realizadores tiveram aconteceu no set do mais recente longa-metragem de Bianchi, "Cronicamente Inviável" (atualmente em finalização). Steinberg foi co-roteirista e produtor executivo do filme, Stockler foi o responsável pela direção de elenco.
A experiência maior de Stockler e Steinberg é na área teatral. O primeiro já dirigiu vários espetáculos, entre eles "Woyzeck" (1995) e "Na Selva das Cidades" (1996). Dirige atualmente a peça "Linha de Fuga", de sua autoria, em cartaz em São Paulo no Núcleo Experimental de Teatro.
Steinberg produziu e dirigiu, entre outros, o espetáculo "100 Motivos para Acabar com o Capitalismo" e é co-produtor do espetáculo bi-cultural "Vestido de Noiva", a ser apresentado no ano 2000 na Polônia.
Além de Bianchi, "único cineasta brasileiro que tem coragem de tocar nos assuntos mais podres do país", eles salvam pouca coisa na atual produção cinematográfica brasileira: "Um Céu de Estrelas", de Tata Amaral, "Os Matadores", de Beto Brant ("com ressalvas"), "Dezesseis Zero Sessenta", de Vinícius Mainardi, "Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos", de Marcelo Masagão.
""Mauá" é um lixo, "Mário" é medonho, "A Grande Noitada" é um horror", sentencia Stockler, com evidente prazer.
Os dois novos cineastas já têm no papel um outro projeto, a ser realizado depois de "Cama de Gato". Chama-se "Estado de Graça", que eles definem como "um "Matrix" latino".
O resumo de Steinberg: "Pensa no "Matrix", tira os efeitos especiais, mantém só o conceito e bota muita violência social". Será, segundo Stockler, quase um filme de antecipação, em que o cenário é o mundo de hoje, mas com um funcionamento diferente.
"É um mundo no qual a pessoa se prepara durante toda a vida para ter um dia de trabalho e um dia de consumo", explica.


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