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TEATRO
Em "As Fenícias", atriz volta à personagem trágica que esboçou na TV
Giulia Gam reencontra Jocasta em nova peça
VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Pela segunda vez na carreira, a
atriz Giulia Gam, 34, visita Jocasta, a mulher e mãe de Édipo na
mais conhecida relação incestuosa da tragédia grega.
Em "Mandala" (87), novela de
Dias Gomes exibida pela TV Globo, ela interpretava a jovem Jocasta no papel adulto defendido por
Vera Fischer.
Sua contraface é vislumbrada 14
anos depois ("Agora sou uma
mulher", diz a mãe de Theo, 3),
quando reencontra o mito por inteiro em "As Fenícias", sob direção de Caco Coelho.
A partir de amanhã, o espetáculo do grupo Circo de Estudos Dramáticos ocupa jardins e sacada do
carioca Museu da República, no
Catete, outrora abrigo de Getúlio
Vargas, convertido em cenário do
palácio de Tebas.
Sob a pena de Eurípedes, o poeta grego que viveu há cerca 24 séculos, Giulia completa como que
um ciclo do eterno retorno.
No enredo de "As Fenícias", a
personagem desponta com a benesse da "sobrevida". Em "Édipo
Rei", na versão de Sófocles, Jocasta enforca-se ao constatar que o
pai de seus filhos era, ele também,
o filho que pensava morto havia
anos. Em Eurípedes, a heroína encara os fatos e sublima a condição
de mãe. Ambos os autores foram
contemporâneos.
O "marido" Édipo (Edi Botelho), que matara o pai involuntariamente e vaza os olhos em desesperada autopunição, é deposto
e aprisionado pelos filhos. Revoltado, ele amaldiçoa Polinices (Rafael Aragon) e Etéocles (Luisa
Friese). Na disputa pelo poder, os
irmãos duelam com espadas e vão
à morte. À cena fratricida, segue-se o suicídio de Jocasta.
"Ela surge como símbolo da justiça, clama aos deuses para evitar
a tragédia na tentativa de amenizar os rancores", afirma Giulia,
sobre a mãe que contorna um tabu, mas não evita que os filhos
matem-se um ao outro. Aqui, o
ódio suplanta a moral.
Tragédia é território conhecido
da atriz, que começou no teatro
pelas mãos de Antunes Filho em
"Romeu e Julieta" (84), no papel-título. Daquela década, recorda as
aulas afins com o pesquisador Junito de Souza Brandão, especialista em cultura grega.
"Quando se mexe com os gregos, depara-se com aspectos míticos que pertencem ao inconsciente simbólico, elementos primordiais, não importa qual seja o suporte: o palco, a TV ou até o gibi",
afirma a atriz de ascendência italiana (nasceu em Perúgia). "Não
imaginava retomar a tragédia,
mas lá vou eu."
A última participação em teatro
se deu em "Cacilda!" (98), no Oficina de José Celso Martinez Corrêa, completando o que define como "triângulo de grandes encenadores", cujos vértices complementares são Antunes (com
quem fez ainda "Nelson 2 Rodrigues" e "Macunaíma") e Gerald
Thomas ("Fim de Jogo" e
"M.O.R.T.E.").
"Não tive formação de atriz em
escola. Parti primeiro da idéia
desses diretores para depois entendê-los na história do teatro",
diz ela. "Sofria muito quando passava de um para outro."
Em 2000, Giulia aproveitou estadia em Nova York para cursar o
lendário The Actor's Studio. Tomou aulas com Robert Castle e se
diz com olhar renovado.
O encontro com o grupo de Caco Coelho é endossado pela mudança para o Rio, faz um ano. A
atriz tentar ir de encontro ao nicho do pensamento experimental
que, em São Paulo, exercitava ao
lado de Bete Coelho, Daniela Thomas, Haroldo de Campos, Arnaldo Antunes e outros.
Seu apartamento, no Leblon,
antes ocupado por Paulo José,
abriga com frequência encontros
para leituras dramáticas, performances e outras manifestações
não necessariamente teatrais.
Criado em 98, o Circo de Estudos Dramáticos incorpora em
"As Fenícias" elementos da linguagem circense (pernas-de-pau,
pirófagos), o que não implica a
subjugação do texto (já montou
Shakespeare, por exemplo).
Uma das características do grupo é a ocupação de espaços não-convencionais. No Museu da República, o diretor Caco Coelho
pretende que o público sinta-se
como "o pulmão do coro".
Para tanto, incorpora o som ao
vivo da banda Hapax, que mistura "música eletrônica da caverna
com sucatas, transe induzido, camisas de futebol e falanges protegidas por esparadrapo", como define um dos seus integrantes,
Cláudio Monjope.
Os figurinos são de Márcia Ganem, que encabeça grupo de quatro estilistas da Bahia. A cenografia de Cristina Novaes embrulha o
palácio-museu com cordas e panos de pára-quedas.
"Buscamos a arte não dispensada do seu sentido primeiro, aquele que vai em direção ao homem e
o estimula a um transbordamento e polimento por meio da arte",
diz Coelho, 39.
AS FENÍCIAS - Com: Circo de Estudos
Dramáticos (Charles Asevedo, Luiz Lobo,
Stela Guz, Alex Fabrício, Cecília Alves,
Melissa Mell e outros). Onde: Museu da
República (r. do Catete, 153, Catete, Rio
de Janeiro, tel. 0/xx/21/2558-6350).
Quando: estréia amanhã, às 18h30; sex.,
sáb. e dom., às 18h30. Quanto: R$ 10.
Patrocinador: Procena - Secretaria de
Estado da Cultura do Rio
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