São Paulo, sexta-feira, 06 de dezembro de 2002

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Gato escaldado


Antologia inédita de "Fritz, the Cat" traz os principais momentos do personagem do americano Robert Crumb


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Fritz, o gato, morreu há 30 anos. Cansado dos holofotes da fama, Robert Crumb, o dono do gato, deu-lhe uma punhalada nas costas em uma das cenas mais marcantes do quadrinho underground americano. "Fritz, the Cat: Superstar", a última história do personagem, "Fritz, the Cat: Agente da CIA" e "Fritz, o Inútil", entre outras aventuras desenhadas e escritas por Crumb durante a década de 60, ganham uma edição inédita no Brasil pela editora Conrad. Amigo e pupilo de Harvey Kurtzman (criador da "Mad"), padrinho involuntário da geração hippie, ilustrador de capas de discos e livros de Janes Joplin e Charles Bukowski, Crumb, 59, disse à Folha por telefone que hoje quase não sai de casa, num misterioso "vilarejo de 16 mil pessoas ao sul da França", onde se esconde há 11 anos com a atual mulher, a cartunista Aline Kominski-Crumb, e sua segunda filha, Sophie, 21.

Folha - Depois de todos esses anos, você já deve estar cansado de falar sobre "Fritz, the Cat"...
Robert Crumb -
Faz muito tempo que não falo sobre ele. A última história que fiz foi em 1972, quando o matei, por causa daquele filme ["Fritz, the Cat], de Ralph Bakshi" que eu odiei. Foi também uma espécie de reflexão sobre como eu estava me sentindo a respeito da minha própria fama.

Folha - A fama incomodava?
Crumb -
Estava me causando muitos problemas. Não que eu estivesse ficando rico, mas estava me tornando bem conhecido entre a juventude hippie da época. E eu era muito jovem, tinha meus 20 e poucos anos, era um abacaxi muito grande para lidar.

Folha - Não é paradoxal que você quisesse se afastar da cultura hippie e, ao mesmo tempo, participasse dela até certo grau?
Crumb -
Sim, era um paradoxo mesmo. Eu tomava LSD e acreditava em um monte de coisas em que eles também acreditavam. Por outro lado, muito disso parecia bobo e excessivo para mim. Eu nunca usaria um visual hippie, eu me sentiria inibido.

Folha - O álbum do Fritz que está saindo agora no Brasil abre com uma história que foi desenhada quando você era ainda criança...
Crumb -
Eles estão publicando aquilo também? As primeiras de verdade? Que loucura! Eu tinha uns 16 anos quando escrevi aquilo. Eu e Charles [irmão mais velho de Crumb, que cometeu suicídio em 96] fizemos centenas de quadrinhos naquela época. Ele era realmente obcecado com quadrinhos, o que acabou me contaminando. Me sentia inútil se não desenhasse quadrinhos (risos). Então comecei a desenhar aos sete anos e, quando tinha 17, 18, não conseguia pensar em nada para ganhar a vida que não fosse me tornar um cartunista.

Folha - Você guardou aquilo?
Crumb -
Não, eu as queimei todas quando fiz 19 anos (risos). Eram muito embaraçosas.

Folha - Fritz é inspirado no Fred, um gato que você teve quando criança. Qual era a sua relação com esses animais?
Crumb -
Eu sempre amei gatos. Quando era criança não conseguia entender por que os garotos eram cruéis com eles.

Folha - E os "gatos de papel"? Qual a importância do gato Felix em seu trabalho?
Crumb -
Eu gostava muito dele, era um ótimo gibi, baseado em uma tira de jornal publicada originalmente na década de 1920. Charles e eu também éramos loucos pelo Pato Donald e todos os produtos da Disney da época. Só quando ficamos adolescentes é que percebemos que a Disney era uma grande corporação capitalista, que se tornou mais e mais perversa com o passar do tempo.

Folha - Como está o seu ritmo de trabalho atualmente?
Crumb -
Ainda desenho. Acabei de terminar outro livro da série "Mistic Funnies" [publicado nos EUA pela Fantagraphics], mas certamente não sou mais tão prolífico como antes. Levo mais tempo para finalizar um álbum.

Folha - Mudar para a França ajudou a esgotar o assunto?
Crumb -
Não. O meu trabalho ainda é fazer sátira social, pode não ser mais tão (anti)americano, mas a França ainda faz parte da cultura ocidental.

Folha - E as mulheres, você sente falta das americanas?
Crumb -
Claro, eu não acho as francesas muito atraentes. A coisa toda em relação à mulher aqui é diferente de como é na América. Acho difícil entender a relação entre os sexos por aqui. Também já estou com quase 60, fico muito em casa e não saio mais à caça de mulheres (risos).

Folha - Planeja visitar o Brasil?
Crumb -
Já recebi um convite, mas estou com medo. Escuto falar da violência, é assustador. Mas ouço todo tipo de relato sobre as fabulosas mullheres que vivem aí. Disseram que elas têm bundas maravilhosas. As francesas não têm, isso é triste. Elas são magras, com ossos pequenos, sem coxas... Se me arrumarem duas grandes guarda-costas no Brasil, posso ir.


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