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São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

Em "Perseguido", de Luiz Alfredo Garcia-Roza, o personagem detetive Espinosa encontra-se à beira da aposentadoria

O Sherlock de Copacabana

Silvio Cioffi/Folha Imagem
Vista da praia de Copacabana, no Rio, onde mora o escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza e atua sua criação, o detetive Espinosa


CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Postado no centro de seu escritório, em um prédio dos anos 30 no centro do Rio, Luiz Alfredo Garcia-Roza, 67, aponta para as estantes e afirma: "Aqui está toda a minha esquizofrenia".
Nas prateleiras da esquerda, estão livros de filosofia. No meio, ficam os volumes de psicologia. Dashiel Hammett, Raymond Chandler, Georges Simenon & companhia estão na terceira estante, a dos romances policiais. E assim temos uma breve biografia deste carioca de Copacabana.
Garcia-Roza começou a vida na companhia de Platão, depois adotou Freud. Nas margens dos 60, tinha uma carreira acadêmica implacável na teoria psicanalítica e na filosofia. Aí, aos 60 anos, caiu no crime. Em 1997, seu "Silêncio da Chuva" desceu como um disco voador no descampado da literatura policial brasileira.
No mesmo ano, ele faturou o extinto e prestigiado Prêmio Nestlé de Literatura, abocanhou o veterano Jabuti e, na sequência, pendurou a chuteira da academia; logo, tornou-se nosso grande autor de romances noir.
Não só "nosso". O sucesso de seus livros anteriores na terra de Chandler e Hammett foi tal que antes mesmo de escrever a mais recente história do detetive Espinosa já recebeu por ela oferta de US$ 50 mil, da editora americana Henry Holt. "Compraram o filho na barriga", diverte-se.
Pois é este "rebento", seu quinto livro (ou o 13º, contando seus oito na linha "Introdução à Metapsicologia Freudiana"), que chega agora às livrarias, reafirmando Garcia-Roza como nosso "crème" do crime.
"Perseguido" é um livro especial na carreira de Sherlock Roza. Suas ligeiras 201 páginas são as que mais aproximam as estantes do meio e da direita de seu escritório. Nele, o romance policial encontra a psiquiatria.
O título do livro já dá pistas. É no terreno da paranóia que o bonachão Espinosa vai enfiar os sapatos. "A paranóia é a lenha dessa locomotiva", sintetiza Roza.
E, antes que sigamos esse expresso, uma parada de emergência. "Perseguido" marca uma espécie de aposentadoria do detetive com nome de filósofo, estrela de todos os romances do escritor.
"Vou dar férias a Espinosa", diz seu criador em entrevista à Folha. "Quando você faz muitos livros com o mesmo personagem, mesmo que as histórias sejam bem diferentes, isso passa a ser uma imposição. É quase como se, quando eu ligasse o computador, tivesse de perguntar: "E aí, Espinosa, que vai acontecer hoje?"."
Garcia-Roza chegou a pensar em matar o inspetor amante dos livros, ou dar um sebo ao seu personagem, para que ele pudesse largar seu posto no 12º DP, mas, se o autor é valente na descrição de assassinatos, lhe faltou coragem na hora de "plantar uma azeitona na testa" de seu detetive querido, que circula em 85 mil exemplares vendidos Brasil afora.
No próximo romance, que já começa a ganhar corpo no computador negro de seu escritório, ele até pode conseguir deixar de lado o personagem devorador de lasanhas bolonhesas de microondas. Mas, de Copacabana, cenário de todas suas tramas, Roza não abre mão. É lá que estará planteado o livro que vem, ainda sem título, história que envolve as antigas galerias pluviais, no subterrâneo da "Princesinha do Mar".
Mas voltemos à superfície. É aí, nas ruas do curioso Bairro Peixoto, microbairro dentro de Copacabana, que circula dr. Nesse, protagonista de "Perseguido".
Tudo corria bem na vida do psiquiatra até que em seu consultório, no hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aparece o jovem paciente Jonas, ou melhor, Isidoro Cruz, mas que queria ser chamado só de Jonas.
Tramas de romance policial não se conta impunemente, sem balear o prazer das investigações do leitor. Diga-se apenas que Jonas vira um onipresente na vida de dr. Nesse. Até fazer da família deste uma espécie de "casa dos espíritos".
OK, "casa dos espíritos" sem esoterismos ou realismos fantásticos. Os livros de Roza não mostram um Rio de Janeiro putrefato, com o acento sujo de boa parte da literatura contemporânea nacional, mas retratam um Rio real. "O Rio não é um Éden, nem o caos absoluto. Moro aqui desde que nasci e nunca fui assaltado", diz.
Cidade menos "noir" do Brasil, como a janela exuberante do escritor atesta, o Rio quase pôs em xeque a vontade inicial de Garcia-Roza de fazer ficção policial. "Até que cheguei à conclusão de que é possível fazer uma história cinza sem um cenário cinza."
A falta de tradição em histórias "cinza" no país o escritor explica assim: "A polícia aqui sempre foi repressiva, nunca investigativa. Desde que sou menino me lembro da polícia trabalhando para servir o aparato do Estado, sempre com muita violência. Então qual o charme de escrever sobre isso? Nenhum".
Espinosa é uma espécie de antídoto que Garcia-Roza apresenta para isso. Sem entrar no ambiente "chiaroscuro" dos maniqueísmos, porque não há bonzinhos e vilões nos livros do escritor, o detetive sinaliza seu "caminho possível". "O que pretendo com o Espinosa é mostrar que pode haver uma polícia inteligente e essa inteligência não precisa ser a do grande gênio. O policial pode ser um homem comum e, necessariamente, um sujeito ético."
O inspetor de Copacabana vem se mostrando ético, mas está longe de ser o "grande gênio". "Ele é mau detetive. Sua racionalidade é sempre atravessada pelo imaginário. Poderia até tentar psicanalisar meu personagem, mas não. Ele é assim porque é assim. A partir de um instrumental analítico, Espinosa seria um personagem fake, nem psicanalista nem delegado."
O ex-teórico da psicanálise luta duro para não pôr Freud nos crimes. "Procuro me manter rigorosamente como ficcionista, sem psicanalisar meus personagens." É assim que Garcia-Roza vem combatendo sua "esquizofrenia". O sr. não faz análise para isso? "Não. Agora trato de meus problemas escrevendo romances."

PERSEGUIDO. Autor: Luiz Alfredo Garcia-Roza. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 28,50 (200 págs.)


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