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São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

"QUEDA LIVRE"

Em ensaios, Otavio Frias Filho examina do daime ao sexo transgressivo, passando pelo suicídio e o pára-quedismo

Jornalista mergulha em sete aventuras

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um homem entra na sala e observa casais sentados, trocando carícias. Ao fundo, duas mulheres nuas ao redor de um sujeito e adiante três outras ajoelhadas satisfazem oralmente três homens, enquanto outros olham em roda, como num acidente de trânsito.
Esse observador é Otavio Frias Filho, e a passagem está no livro "Queda Livre - Ensaios de Risco", que o jornalista paulistano, autor de peças e diretor de Redação da Folha, 46, escreveu e que chegou ontem às livrarias do Brasil.
Como atesta o subtítulo, Otavio realiza sete ensaios de risco, jogo de palavras sugerido por um amigo, no sentido de que são sete textos que tentam esgotar os assuntos escolhidos, mas também sete oportunidades em que o autor corre algum risco, nem sempre de vida, nem sempre real.
Assim, ele frequenta clubes de troca de casais e penetra o submundo do sadomasoquismo, chegando mesmo a presenciar algumas sessões de sexo grupal, em "Casal Procura", cuja passagem abre esta reportagem; atua em duas peças dirigidas por José Celso Martinez Corrêa, em "O Terceiro Sinal"; anda a pé 774 quilômetros como um peregrino pelo caminho de Santiago, em "No Caminho das Estrelas".
O que parece unir os relatos é o medo colocado em teste, mas um medo específico, o de perder o controle. O autor discorda: "Eu diria que o medo é uma forma de estímulo, de empurrão, que depois é transposto para o texto. Ao mesmo tempo, estrutura uma série de recursos de humor".

Jornalismo literário
O livro encaixa-se no escaninho do jornalismo literário, gênero que surgiu nos anos 40 e 50 nos Estados Unidos, com o relato que John Hershey faz de seis sobreviventes da bomba atômica despejada sobre Hiroshima e principalmente em revistas como "Esquire" e "The New Yorker".
A idéia é usar recursos literários, como a primeira pessoa, o narrador onisciente e o envolvimento do autor, para relatar um acontecimento -um perfil, um crime, uma tendência. Hoje, o estilo sobrevive aqui e ali, nas mesmas duas revistas e também nas reportagens batizadas de "A-hed" do "Wall Street Journal".
No Brasil, conheceu seu auge na revista "Realidade" (1966-1972) e quase desaparece atualmente, com a provável exceção da revista "Trip", que investe mais num primo do jornalismo literário, o gonzo, e da extinta "República".
Pois foi a convite do então diretor editorial desta, o hoje editor de livros Wagner Carelli, que Otavio realizou os três primeiros ensaios, que reaparecem no livro em versão revista e aumentada.
São eles "Queda Livre", que dá nome ao todo e narra um salto de pára-quedas, "Viagem ao Mapiá", em que ele toma o alucinógeno daime e conta a história da primeira religião nacional, e "A Bordo do Tapajó", três dias de clausura num submarino brasileiro.
O livro registra um paradoxo. Por falta de espaço, dinheiro, tempo e também vontade, não haveria mais lugar para o gênero na imprensa brasileira, seja nas revistas, seja nos jornais, como o dirigido pelo autor. Quer dizer, talvez os textos do Otavio escritor não encontrassem lugar no jornal do Otavio diretor de Redação.
"Concordo, mas veja que esses textos são chamados por mim mesmo de reportagens num sentido impreciso", diz. "Foram concebidos como capítulos que um dia sairiam em livro. São diferentes de reportagens noticiosas."
Aceito o convite do colega, o primeiro texto de Otavio e principalmente a desenvoltura com que foi escrito serviram para enterrar um trauma do autor, que foi a montagem e encenação de uma peça sua, "Don Juan", dirigida por Gerald Thomas em 1995, como explica a partir da página 119:
"E passou a me incomodar cada vez mais algo que, na falta de expressão melhor, direi que era a insinceridade que sentia nos meus textos e a superfluidade de escrevê-los, sentimento pernicioso para quem acredita não ter outra vocação e que este livro é uma tentativa de debelar".
O trecho acima é a primeira vez que o jornalista toca publicamente no polêmico assunto. Pois "Queda Livre" satisfaz também o leitor ávido por detalhes da vida particular de uma figura tão pública quanto contida, conhecida por nunca falar de si -o livro, por exemplo, não contará com uma noite de lançamento.
Nos momentos autobiográficos, poucos e dispersos pela narrativa, muito como a prosa do próprio Otavio, o leitor fica sabendo que ele tem claustrofobia e acrofobia, pensou em suicídio, é ateu, aos 30 e tantos anos passou por um revés amoroso violento e, adolescente, fez análise.

Pesquisa exaustiva
São pequenas revelações, quase deslizes, entremeadas pela experiência em si, que conduz cada uma das sete narrativas, estas embaladas por muito detalhe e informação histórica -a pesquisa é realmente exaustiva. Sai-se de um texto sabendo tudo sobre a invenção do pára-quedas. Ou a bolha.
A obra termina com "O Abismo", sobre o suicídio, talvez o relato mais poderoso -e, junto do de sexo, o maior, com respectivamente 47 e 63 páginas. Otavio passou um ano como atendente dominical noturno no Centro de Valorização da Vida, o CVV.
Ele sai da vivência como voluntário uma pessoa, se quiser, melhor, conforme conta no final. Agora, falta parar de fumar, promessa que fez várias vezes e abandonou as mesmas vezes mais uma. Segundo chegou a afirmar, a experiência viraria um capítulo. Não virou. Virá no próximo livro?
Não há próximo livro, pelo menos não nos moldes desse. "Planejo fazer uma biografia, mas prefiro omitir o personagem por enquanto", diz ele. "E pretendo terminar um monólogo para uma atriz em que ela faz o papel de uma "grande dama do teatro"."
Quanto ao relato sobre parar de fumar, afirma que descartou por concluir que já se escreveu demais sobre isso, assim como descartou por dificuldades práticas outras aventuras (viagem ao pólo Sul magnético e expedição a um vulcão em erupção, por exemplo).
De qualquer maneira, o fato é que continua fumando. Quase um maço por dia, e não é light.


QUEDA LIVRE - ENSAIOS DE RISCO. De: Otavio Frias Filho. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 37 (288 págs.).


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