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LIVRO/LANÇAMENTO
"QUEDA LIVRE"
Em ensaios, Otavio Frias Filho examina do daime ao sexo transgressivo, passando pelo suicídio e o pára-quedismo
Jornalista mergulha em sete aventuras
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um homem entra na sala e observa casais sentados, trocando
carícias. Ao fundo, duas mulheres
nuas ao redor de um sujeito e
adiante três outras ajoelhadas satisfazem oralmente três homens,
enquanto outros olham em roda,
como num acidente de trânsito.
Esse observador é Otavio Frias
Filho, e a passagem está no livro
"Queda Livre - Ensaios de Risco",
que o jornalista paulistano, autor
de peças e diretor de Redação da
Folha, 46, escreveu e que chegou
ontem às livrarias do Brasil.
Como atesta o subtítulo, Otavio
realiza sete ensaios de risco, jogo
de palavras sugerido por um amigo, no sentido de que são sete textos que tentam esgotar os assuntos escolhidos, mas também sete
oportunidades em que o autor
corre algum risco, nem sempre de
vida, nem sempre real.
Assim, ele frequenta clubes de
troca de casais e penetra o submundo do sadomasoquismo,
chegando mesmo a presenciar algumas sessões de sexo grupal, em
"Casal Procura", cuja passagem
abre esta reportagem; atua em
duas peças dirigidas por José Celso Martinez Corrêa, em "O Terceiro Sinal"; anda a pé 774 quilômetros como um peregrino pelo
caminho de Santiago, em "No Caminho das Estrelas".
O que parece unir os relatos é o
medo colocado em teste, mas um
medo específico, o de perder o
controle. O autor discorda: "Eu
diria que o medo é uma forma de
estímulo, de empurrão, que depois é transposto para o texto. Ao
mesmo tempo, estrutura uma série de recursos de humor".
Jornalismo literário
O livro encaixa-se no escaninho
do jornalismo literário, gênero
que surgiu nos anos 40 e 50 nos
Estados Unidos, com o relato que
John Hershey faz de seis sobreviventes da bomba atômica despejada sobre Hiroshima e principalmente em revistas como "Esquire" e "The New Yorker".
A idéia é usar recursos literários,
como a primeira pessoa, o narrador onisciente e o envolvimento
do autor, para relatar um acontecimento -um perfil, um crime,
uma tendência. Hoje, o estilo sobrevive aqui e ali, nas mesmas
duas revistas e também nas reportagens batizadas de "A-hed" do
"Wall Street Journal".
No Brasil, conheceu seu auge na
revista "Realidade" (1966-1972) e
quase desaparece atualmente,
com a provável exceção da revista
"Trip", que investe mais num primo do jornalismo literário, o gonzo, e da extinta "República".
Pois foi a convite do então diretor editorial desta, o hoje editor de
livros Wagner Carelli, que Otavio
realizou os três primeiros ensaios,
que reaparecem no livro em versão revista e aumentada.
São eles "Queda Livre", que dá
nome ao todo e narra um salto de
pára-quedas, "Viagem ao Mapiá",
em que ele toma o alucinógeno
daime e conta a história da primeira religião nacional, e "A Bordo do Tapajó", três dias de clausura num submarino brasileiro.
O livro registra um paradoxo.
Por falta de espaço, dinheiro, tempo e também vontade, não haveria mais lugar para o gênero na
imprensa brasileira, seja nas revistas, seja nos jornais, como o dirigido pelo autor. Quer dizer, talvez os textos do Otavio escritor
não encontrassem lugar no jornal
do Otavio diretor de Redação.
"Concordo, mas veja que esses
textos são chamados por mim
mesmo de reportagens num sentido impreciso", diz. "Foram concebidos como capítulos que um
dia sairiam em livro. São diferentes de reportagens noticiosas."
Aceito o convite do colega, o
primeiro texto de Otavio e principalmente a desenvoltura com que
foi escrito serviram para enterrar
um trauma do autor, que foi a
montagem e encenação de uma
peça sua, "Don Juan", dirigida
por Gerald Thomas em 1995, como explica a partir da página 119:
"E passou a me incomodar cada
vez mais algo que, na falta de expressão melhor, direi que era a insinceridade que sentia nos meus
textos e a superfluidade de escrevê-los, sentimento pernicioso para quem acredita não ter outra vocação e que este livro é uma tentativa de debelar".
O trecho acima é a primeira vez
que o jornalista toca publicamente no polêmico assunto. Pois
"Queda Livre" satisfaz também o
leitor ávido por detalhes da vida
particular de uma figura tão pública quanto contida, conhecida
por nunca falar de si -o livro,
por exemplo, não contará com
uma noite de lançamento.
Nos momentos autobiográficos, poucos e dispersos pela narrativa, muito como a prosa do
próprio Otavio, o leitor fica sabendo que ele tem claustrofobia e
acrofobia, pensou em suicídio, é
ateu, aos 30 e tantos anos passou
por um revés amoroso violento e,
adolescente, fez análise.
Pesquisa exaustiva
São pequenas revelações, quase
deslizes, entremeadas pela experiência em si, que conduz cada
uma das sete narrativas, estas embaladas por muito detalhe e informação histórica -a pesquisa é
realmente exaustiva. Sai-se de um
texto sabendo tudo sobre a invenção do pára-quedas. Ou a bolha.
A obra termina com "O Abismo", sobre o suicídio, talvez o relato mais poderoso -e, junto do
de sexo, o maior, com respectivamente 47 e 63 páginas. Otavio
passou um ano como atendente
dominical noturno no Centro de
Valorização da Vida, o CVV.
Ele sai da vivência como voluntário uma pessoa, se quiser, melhor, conforme conta no final.
Agora, falta parar de fumar, promessa que fez várias vezes e abandonou as mesmas vezes mais
uma. Segundo chegou a afirmar, a
experiência viraria um capítulo.
Não virou. Virá no próximo livro?
Não há próximo livro, pelo menos não nos moldes desse. "Planejo fazer uma biografia, mas prefiro omitir o personagem por enquanto", diz ele. "E pretendo terminar um monólogo para uma
atriz em que ela faz o papel de
uma "grande dama do teatro"."
Quanto ao relato sobre parar de
fumar, afirma que descartou por
concluir que já se escreveu demais
sobre isso, assim como descartou
por dificuldades práticas outras
aventuras (viagem ao pólo Sul
magnético e expedição a um vulcão em erupção, por exemplo).
De qualquer maneira, o fato é
que continua fumando. Quase
um maço por dia, e não é light.
QUEDA LIVRE - ENSAIOS DE RISCO. De:
Otavio Frias Filho. Editora: Companhia
das Letras. Quanto: R$ 37 (288 págs.).
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