São Paulo, quinta-feira, 06 de dezembro de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

A queda

Lendo um elegante ensaio de Nuno Ramos sobre futebol, não pude deixar de pensar na longa agonia corintiana

NO RECÉM-LANÇADO "Ensaio Geral" (editora Globo), compilação em que mostra sua face ensaística, o artista plástico Nuno Ramos chama a atenção, num texto, para o aspecto fundamental do futebol, que não se observa com a mesma intensidade em nenhum outro esporte coletivo: a ausência de sintonia entre o que se passa em campo e o resultado.
Mesmo aqueles que negam peremptoriamente a existência de injustiças no futebol -pois o resultado expressaria sempre a competência ou a incompetência dos dois adversários- devem saber, no íntimo, que essa fórmula é mais conveniente do que verdadeira.
Como observa Nuno, torcer ou "experimentar sem reservas um jogo de futebol é aproximar-se desta separação entre jogo e placar". São muitas as partidas do passado que permanecem inacabadas -memoráveis contendas que o placar não consegue sintetizar nem estabilizar a posteriori. É esse descompasso entre o fluxo espesso do jogo e a dificuldade de obter o ponto que torna possível um emocionante 0 x 0.
"Tudo se passa como se um jogo dentro do jogo fosse preservado, independentemente das bolas que entraram", escreve o autor.
Dessa dinâmica se alimentam as intermináveis discussões e a dimensão trágica do futebol. Tragédia que o resultado aplaca para os vitoriosos, mas exacerba para os derrotados -ambos sabedores de que tudo, afinal, foi uma questão de detalhes e circunstâncias.
Lendo o elegante ensaio de Nuno não pude deixar de pensar na deselegante queda do Corinthians para a Série B. Houve uma forte carga dramática no desenlace, potencializada pelo fato de o momento final ter dependido de tramas paralelas, tecidas por outros jogos simultâneos.
Mas a queda já havia se prefigurado na longa narrativa do campeonato. Não houve nada que se comparasse ao sentido trágico de derrotas como as do Brasil para o Uruguai, em 50, ou para a Itália, em 82. Muito pouco que lembrasse até mesmo outras derrotas épicas do próprio Corinthians. O que vimos foi mais agonia do que tragédia, a confirmação de uma inelutável tendência: o time, como doente desenganado, à espera de um golpe de sorte ou milagre.
Milagres e golpes de sorte acontecem no futebol. Mas o campeonato por pontos corridos tem como objetivo minimizá-los. A extensa seqüência de partidas em turno e returno aplaina as discrepâncias entre jogo e resultado, dando mais oportunidade ao fator "lógica" na definição final da tabela. E ela prevaleceu.
Curiosamente, a estabilização dessas regras de disputa que procuram controlar o acaso propicia uma espécie de sublimação pelo discurso edificante, pela "lição de vida" no mundo da eficiência, reforçando a correlação entre fatores racionais (como planejamento e gestão) e resultados em campo. Assim, a queda do Corinthians tornou-se uma parábola em prol da ética e da competência -o caminho da volta por cima.
"Tudo bem", dirá meu amigo corintiano. "Mas e se o juiz de Inter x Goiás não fosse tão extraordinariamente rigoroso, tudo seria diferente". É verdade -e isso é o futebol.


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