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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
A queda
Lendo um elegante ensaio de Nuno Ramos sobre futebol, não pude deixar de pensar na longa agonia corintiana
NO RECÉM-LANÇADO "Ensaio
Geral" (editora Globo), compilação em que mostra sua
face ensaística, o artista plástico Nuno Ramos chama a atenção, num
texto, para o aspecto fundamental
do futebol, que não se observa com a
mesma intensidade em nenhum outro esporte coletivo: a ausência de
sintonia entre o que se passa em
campo e o resultado.
Mesmo aqueles que negam peremptoriamente a existência de injustiças no futebol -pois o resultado
expressaria sempre a competência
ou a incompetência dos dois adversários- devem saber, no íntimo, que
essa fórmula é mais conveniente do
que verdadeira.
Como observa Nuno, torcer ou
"experimentar sem reservas um jogo de futebol é aproximar-se desta
separação entre jogo e placar". São
muitas as partidas do passado que
permanecem inacabadas -memoráveis contendas que o placar não
consegue sintetizar nem estabilizar
a posteriori. É esse descompasso entre o fluxo espesso do jogo e a dificuldade de obter o ponto que torna possível um emocionante 0 x 0.
"Tudo se passa como se um jogo
dentro do jogo fosse preservado, independentemente das bolas que entraram", escreve o autor.
Dessa dinâmica se alimentam as
intermináveis discussões e a dimensão trágica do futebol. Tragédia que
o resultado aplaca para os vitoriosos,
mas exacerba para os derrotados
-ambos sabedores de que tudo, afinal, foi uma questão de detalhes e
circunstâncias.
Lendo o elegante ensaio de Nuno
não pude deixar de pensar na deselegante queda do Corinthians para a
Série B. Houve uma forte carga dramática no desenlace, potencializada
pelo fato de o momento final ter dependido de tramas paralelas, tecidas
por outros jogos simultâneos.
Mas a queda já havia se prefigurado na longa narrativa do campeonato. Não houve nada que se comparasse ao sentido trágico de derrotas
como as do Brasil para o Uruguai,
em 50, ou para a Itália, em 82. Muito
pouco que lembrasse até mesmo outras derrotas épicas do próprio Corinthians. O que vimos foi mais agonia do que tragédia, a confirmação
de uma inelutável tendência: o time,
como doente desenganado, à espera
de um golpe de sorte ou milagre.
Milagres e golpes de sorte acontecem no futebol. Mas o campeonato
por pontos corridos tem como objetivo minimizá-los. A extensa seqüência de partidas em turno e returno aplaina as discrepâncias entre
jogo e resultado, dando mais oportunidade ao fator "lógica" na definição
final da tabela. E ela prevaleceu.
Curiosamente, a estabilização
dessas regras de disputa que procuram controlar o acaso propicia uma
espécie de sublimação pelo discurso
edificante, pela "lição de vida" no
mundo da eficiência, reforçando a
correlação entre fatores racionais
(como planejamento e gestão) e resultados em campo. Assim, a queda
do Corinthians tornou-se uma parábola em prol da ética e da competência -o caminho da volta por cima.
"Tudo bem", dirá meu amigo corintiano. "Mas e se o juiz de Inter x
Goiás não fosse tão extraordinariamente rigoroso, tudo seria diferente". É verdade -e isso é o futebol.
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