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Crítica/DVD/"Decálogo"
Série sobre os 10 mandamentos é a obra-prima de Kieslowski
Caixa reúne produção que diretor fez para TV polonesa no final dos anos 80
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"A
inda Vivo", filme
biográfico sobre
Krzysztof Kieslowski que vem como um dos
extras de "Decálogo", lembra
que a série foi concebida num
momento particular, em que o
comunismo agonizava, e os colegas do cineasta achavam necessário tocar em questões urgentes, como os sindicatos, as
insatisfações etc.
Foi uma estranha e fértil intuição que, aparentemente, levou Kieslowski a refugiar-se
"no básico": os dez mandamentos. Era um momento de desespero, também, e é um outro cineasta, Zanussi salvo engano,
que lembra o ritmo febril em
que Kieslowski trabalhava. Poderia levar anos o projeto de
dez filmes, cada um dedicado a
um mandamento. Mas tinha
necessidade de fazer tudo rápido, como se quisesse não ver o
mundo exterior à sua volta.
Ora, hoje, os filmes de "Decálogo" soam como um amplo documento da queda do comunismo na Polônia e em toda a Europa oriental. Foi justamente
ao abstrair as lutas políticas
que Kieslowski conseguiu resumir sua trajetória, dos anos
de estudante de cinema ao trabalho como documentarista.
Passemos pela avaliação,
apressada, dos dez filmes. Como no passado, destacam-se
claramente os que se transformaram em longas e acabaram
por consagrar o cineasta internacionalmente, como "Não
Matarás" e "Não Amarás" -no
filme, "Não Cometerás Adultério" (a versão desta caixa é a dos
filmes para a TV, com pouco
menos de uma hora cada um).
O primeiro, "Amarás a Deus
sobre Todas as Coisas", em que
a tensão entre acreditar em
Deus ou na ciência se apresenta
com vigor, também é muito forte. Em alguns momentos, faz
pensar que, de fato, se tivesse
mais tempo de filmagem, alguns episódios poderiam ter
rendido mais. A contrapartida
é: teria perdido o momento -e
isso seria irreparável.
Os episódios têm um cenário
quase fixo: um conjunto habitacional que, na monotonia, representa o limite do sonho comunista. Da igualdade como
ideal, chega-se facilmente ao
igualitarismo como ideologia:
os conjuntos habitacionais, em
sua repetição insistente, traçam o limite da vida. Ali há calma, padronização, contenção.
Uma espécie de "desenergia"
em que as diferenças são anuladas. Ou não. Porque os filmes
vão justamente ao particular.
Sem símbolos, são inspirados
pelo espírito documental de
Kieslowski, que chega aqui,
nessa Polônia insatisfeita -que
não parece fazer parte nem da
Europa ocidental nem do bloco
comunista-, aos títulos mais
decisivos da carreira como ficcionista (numa série de filmes
em que pouca gente levava fé).
É aqui que se manifesta um
encontro quase perfeito entre
uma circunstância (a agonia do
comunismo), uma convicção (a
crença no cinema como registro capaz de captar uma realidade fugaz, que vem dos primeiros trabalhos) e a fé cristã.
Esta, oculta por circunstâncias políticas várias (do nazismo ao comunismo), está longe
de ser suficientemente explorada. Em dado momento,
quando "Ainda Vivo" trata da
passagem de Kieslowski pela
escola de cinema de Lodz, refere-se ao ano de 1968, em que,
diz ele, a escola acaba porque os
professores judeus são expulsos. Eis uma coisa sobre o que a
Polônia ainda deve explicações:
o arraigado, triste, indecoroso
antissemitismo, que atravessa
séculos e regimes políticos.
A edição de "Decálogo", à
parte provar ser a obra-prima
de Kieslowski, traz extratos de
uma entrevista coletiva do autor e o curta " O Escritório"
(1966): é um começo, mas uma
amostra ainda insuficiente da
produção do "jovem Kieslowski", de que se encontram bons
fragmentos em "Ainda Vivo".
DECÁLOGO
Distribuidora: Versátil
Quanto: de R$ 44,90 (cada disco) a
149,90 (caixa com quatro discos)
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo
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