São Paulo, quarta, 7 de janeiro de 1998.




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LIVROS
Manuais de etiqueta tentam definir o bom-tom

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Há algo a mais no mercado editorial brasileiro que o simples crepitar da auto-ajuda esotérica. Nos últimos anos, livros de etiqueta têm sido publicados em profusão.
Jornalistas, colunistas sociais, empresárias da moda e donas-de-casa arregaçam as mangas, encostam os anéis e pulseiras e escrevem sobre aquilo que definem o que é e o que não é de bom-tom.
Algumas livrarias, como Ática Shopping, já dispõem de espaço reservado para o gênero. A maioria dos livros, escrita por mulheres, chega com facilidade às listas de mais vendidos.
E atingem números pouco comuns no mercado: "Chic, Guia Básico de Moda e Estilo", de Glória Kalil, está na 14ª edição, "Na Sala Com Danuza", de Danuza Leão, já chegou à 39ª, "Etiqueta sem Frescura", de Claudia Matarazzo, à 20ª, e "Etiqueta na Prática", de Celia Ribeiro, à 21ª edição.
Recentemente, Carmen Mayrink Veiga, a rica que não é mais rica mais notória das colunas sociais, lançou "ABC de Carmen", com receitas pessoais e dicas da "arte de receber".
Coincidência ou não, no fim do século anterior também houve um boom dos tais manuais. A elite agrícola brasileira se mudava para as cidades. Uma nova burguesia, retratada por Machado de Assis, ocupava espaços vagos.
"No final do século 19, foi o primeiro momento que o mundo se fez internacional. Pode-se arriscar que, com a globalização, temos mais um momento de socialização financeira e cultural", explica a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz.
"Código do Bom-tom", de J.I. Roquette, manual de etiqueta publicado em 1845, que normatizava os rituais do Brasil imperial, era leitura obrigatória de uma aristocracia brasileira quase selvagem e distante dos grandes centros.
Vovô dos manuais de boa conduta, o livro de Roquette ganhou, recentemente, uma nova edição, organizada por Schwarcz ("Retrato em Branco e Preto", de 1987, e "Espetáculo das Raças", de 1993).
Para "civilizar" bárbaros endinheirados, que não sabiam se era permitido arrotar, cuspir na lareira ou pegar, com a mão, as sobras do prato do vizinho, o cônego português Roquette introduziu regras de como se comportar em festas, bailes, jantares e eventos da sociedade.
Segundo Schwarcz, "tais regras eram inspiradas nos manuais de boa conduta franceses e tiveram de se readaptar ao calor dos trópicos, onde a quantidade de banhos deveria ser maior que a dos franceses".
O ciclo se fecha. Há uma similaridade entre o Brasil de Mayrink Veiga e o de Roquette?
Novos endinheirados, especialmente do mercado financeiro, vêm substituir os velhos barões da indústria e da agricultura, como os cafeeiros substituíram a aristocracia.
Para o historiador Nobert Elias (autor de "O Processo Civilizador"), a etiqueta não era um adereço, mas um instrumento fundamental. Era o "controle e a contenção de sentimentos e da manifestação de sensações".
Os novos e antigos manuais têm a cultura da corte como algo a ser copiado. O uso de expressões em francês parece atestar a qualidade e eficiência das normas.
A globalização e a estabilidade da moeda estão internacionalizando o brasileiro. E, afinal de contas, pode ser útil, um dia, saber como usar a penca de talheres e taças que decoram certos jantares.
Só um detalhe atrapalha o andamento da carreira dos tais manuais. Não é de bom-tom ("savoir faire") dar de presente um desses livros. Você pode estar sugerindo que o presenteado não é suficientemente educado.


Livro: "Código do Bom-tom" Autor: J.I.Roquette Organização: Lilia Moritz Schwarcz Editora: Companhia das Letras Preço: R$ 20,50 (400 págs.)


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