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LIVROS
Manuais de etiqueta
tentam definir o
bom-tom
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Há algo a mais no mercado editorial brasileiro que o simples crepitar da auto-ajuda esotérica. Nos
últimos anos, livros de etiqueta
têm sido publicados em profusão.
Jornalistas, colunistas sociais,
empresárias da moda e donas-de-casa arregaçam as mangas,
encostam os anéis e pulseiras e escrevem sobre aquilo que definem
o que é e o que não é de bom-tom.
Algumas livrarias, como Ática
Shopping, já dispõem de espaço
reservado para o gênero. A maioria dos livros, escrita por mulheres, chega com facilidade às listas
de mais vendidos.
E atingem números pouco comuns no mercado: "Chic, Guia
Básico de Moda e Estilo", de Glória
Kalil, está na 14ª edição, "Na Sala
Com Danuza", de Danuza Leão, já
chegou à 39ª, "Etiqueta sem Frescura", de Claudia Matarazzo, à
20ª, e "Etiqueta na Prática", de
Celia Ribeiro, à 21ª edição.
Recentemente, Carmen Mayrink
Veiga, a rica que não é mais rica
mais notória das colunas sociais,
lançou "ABC de Carmen", com
receitas pessoais e dicas da "arte
de receber".
Coincidência ou não, no fim do
século anterior também houve um
boom dos tais manuais. A elite
agrícola brasileira se mudava para
as cidades. Uma nova burguesia,
retratada por Machado de Assis,
ocupava espaços vagos.
"No final do século 19, foi o primeiro momento que o mundo se
fez internacional. Pode-se arriscar
que, com a globalização, temos
mais um momento de socialização
financeira e cultural", explica a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz.
"Código do Bom-tom", de J.I.
Roquette, manual de etiqueta publicado em 1845, que normatizava
os rituais do Brasil imperial, era
leitura obrigatória de uma aristocracia brasileira quase selvagem e
distante dos grandes centros.
Vovô dos manuais de boa conduta, o livro de Roquette ganhou,
recentemente, uma nova edição,
organizada por Schwarcz ("Retrato em Branco e Preto", de 1987, e
"Espetáculo das Raças", de 1993).
Para "civilizar" bárbaros endinheirados, que não sabiam se era
permitido arrotar, cuspir na lareira ou pegar, com a mão, as sobras
do prato do vizinho, o cônego português Roquette introduziu regras
de como se comportar em festas,
bailes, jantares e eventos da sociedade.
Segundo Schwarcz, "tais regras
eram inspiradas nos manuais de
boa conduta franceses e tiveram de
se readaptar ao calor dos trópicos,
onde a quantidade de banhos deveria ser maior que a dos franceses".
O ciclo se fecha. Há uma similaridade entre o Brasil de Mayrink
Veiga e o de Roquette?
Novos endinheirados, especialmente do mercado financeiro,
vêm substituir os velhos barões da
indústria e da agricultura, como os
cafeeiros substituíram a aristocracia.
Para o historiador Nobert Elias
(autor de "O Processo Civilizador"), a etiqueta não era um adereço, mas um instrumento fundamental. Era o "controle e a contenção de sentimentos e da manifestação de sensações".
Os novos e antigos manuais têm
a cultura da corte como algo a ser
copiado. O uso de expressões em
francês parece atestar a qualidade
e eficiência das normas.
A globalização e a estabilidade da
moeda estão internacionalizando
o brasileiro. E, afinal de contas,
pode ser útil, um dia, saber como
usar a penca de talheres e taças que
decoram certos jantares.
Só um detalhe atrapalha o andamento da carreira dos tais manuais. Não é de bom-tom ("savoir
faire") dar de presente um desses
livros. Você pode estar sugerindo
que o presenteado não é suficientemente educado.
Livro: "Código do Bom-tom"
Autor: J.I.Roquette
Organização: Lilia Moritz Schwarcz
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 20,50 (400 págs.)
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