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ANÁLISE
Século principia trabalhoso
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O que chama a atenção no balanço de 2001 do cinema
brasileiro não é tanto o que nos
surpreende (como o alto número
de filmes lançados), mas aquilo
que nada tem de espantoso.
Exemplo mais dramático: o fato
de mesmo filmes com mais de 1
milhão de espectadores se mostrarem deficitários.
A primeira reação é dizer: bem,
nesse caso, abaixe-se o custo médio do filmes. A resposta é mais
perigosa do que parece. Restringir
custos significa, quase sempre,
restringir também o número de
espectadores. Ou seja, o déficit
continuaria intacto.
Pode-se brandir o caso do Irã,
com seus filmes de US$ 100 mil.
Seria esquecer que o cinema iraniano não sofre a concorrência de
Hollywood, por exemplo, embora
por razões outras que não cinematográficas.
Que fazer, então? Acabar com o
filme nacional? Foi o que Collor
tentou. Imediatamente sentimos
que essas imagens por vezes precárias nos faziam falta. Nem que
seja para falar mal, são necessárias. No mais, quando elas desapareceram, percebemos que, bem
ou mal, constituíam um patrimônio e um documento capital do
século 20 brasileiro (malgrado todas as perdas, deteriorações etc.).
Saberíamos bem menos sobre o
cangaço, sem as filmagens do "cavador" Benjamin Abraão, ou sobre nossa vida política, não fossem as reportagens do DIP ou de
Primo Carbonari, entre outros.
De forma misteriosa, o tempo
enriquece as imagens de cinema,
o que não acontece com as da televisão.
No mais, acabar com o cinema
nacional não resolveria o problema econômico. Quanto mais filmes estrangeiros vemos, mais divisas remetemos ao exterior.
Quem paga por isso? O mesmo
contribuinte que paga, afinal, pelo
filme brasileiro.
Que fazer? Aceitamos que a
existência de filmes brasileiros é
necessária até a sobrevivência
dessa ficção que se denomina nação? Digamos que sim.
Mas em que termos? A Embrafilme mostrou que a distribuição
de verbas não é uma coisa simples. Sob um regime militar, elegia-se, simplesmente, quem podia ou não filmar.
Para sair desse impasse, criaram-se as leis de renúncia fiscal. A
decisão seria de investidores ou,
em última análise, da própria sociedade.
O sistema mostrou-se improdutivo: diretores de marketing
nem sempre sabem ler roteiros;
não se criaram de início mecanismos eficazes de controle nem limites plausíveis de financiamento.
O caso "Chatô" é emblemático:
um enorme orçamento, um produtor novato, um filme inacabado. E, para concluir, o reconhecimento pelo TCU de que não havia
fraude nas contas de Guilherme
Fontes. Portanto o erro não estava
aí.
Pensar um novo sistema, criar
uma verdadeira política cinematográfica, esse o desafio da Ancine
para 2002. Isso significa, grosso
modo, de início: criar mecanismos de financiamento transparentes e democráticos (driblando
corporativismo e caciquismos);
distribuição eficaz (isto é, competitiva) dos filmes; crescimento do
parque exibidor (hoje exíguo,
concentrado em grandes cidades
e excludente).
Resolvido isso, aí começam de
fato os problemas: a) evitar a armadilha da "indústria do audiovisual", quando toda nossa tradição
(a que deu certo, em todo caso) é
baseada no artesanato e na produção autoral; b) proteger a produção brasileira da concorrência
de Hollywood, sabendo que nessa
matéria os EUA não estão para
brincadeira; c) criar um sistema
de colaboração sem submissão
com a TV (que no Brasil é a indústria cultural), o que significa encarar um poder político descomunal.
Enfim, o início de século se
anuncia trabalhoso para o filme
brasileiro. Até porque, se tudo isso der certo, estarão afastados alguns mitos e fantasmas quase seculares e criadas condições para
encarar os problemas reais, que
não são poucos nem pequenos.
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