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ANÁLISE
"Enlatados" recheiam "Casos da Vida Real"
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
O SBT entrou na era do merchandising social. A incursão tardia da emissora em um gênero de eficácia bastante discutível acontece pelas mãos "chapa-branca" de Silvia Abravanel, a filha do dono. Além de se interessar
pelos negócios televisivos da família, a moça costuma expressar
opiniões próprias.
"Casos da Vida Real", novo programa diário da emissora, apresentado pela primeira vez anteontem, prometia algo como um palco movimentado por dramas de
pessoas comuns "como eu e você" para citar o bordão elementar
com que a apresentadora estreante pretende ganhar a confiança
dos telespectadores.
Mas longe do bate-boca que
movimenta outros programas do
gênero, "Casos da Vida Real" fica
mais perto das novelas importadas que passam antes e depois. O
tempo é recheado com "enlatados" curtos de interesse social
com cara de dramalhão mexicano.
O primeiro programa foi dedicado à Aids. Não trouxe informações novas ou dados recentes. Ao
contrário, lidou com implicações
morais da doença.
Duas esquetes dubladas de algum original de fala espanhola
mostraram que a transmissão da
Aids pode denunciar traições
conjugais heterossexuais advertindo contra o adultério.
Uma senhora executiva entediada no casamento tem um caso
de amor com um jovem hemofílico que transmite Aids a ela, e através dela, a seu marido. Punida
com a solidão, ela sobrevive à
morte dos dois.
Um morador dos Estados Unidos em visita à família em alguma
cidadezinha católica na América
Latina, contamina a mulher, a comadre e a jovem vizinha.
Sílvia fez três intervenções curtas, artificiais e decoradas. Ao final, um recado básico, ironicamente ausente dos dois programetes, que não abordaram prevenção: "fazer sexo sem camisinha é abusar da própria sorte".
No universo dos sorrisos
afluentes, da distribuição de prêmios e da promoção de encontros
amorosos de papai Silvio, a jovem
herdeira lida com assuntos sombrios.
Versão barata e desprovida do
tom testemunhal das performances religiosas que saturam a TV de
nossos dias, "Casos da Vida Real"
chega a ser constrangedor de tão
primário.
O novo ano promete acirrada
competição entre emissoras. A
disputa ainda não produziu conceitos de programação capazes de
se estabelecer. Enquanto não aparece substância, a TV não sai da
lama.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
CASOS DA VIDA REAL. Quando: seg. à
sex., às 17h, no SBT.
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