São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2004

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ANÁLISE

"Enlatados" recheiam "Casos da Vida Real"

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O SBT entrou na era do merchandising social. A incursão tardia da emissora em um gênero de eficácia bastante discutível acontece pelas mãos "chapa-branca" de Silvia Abravanel, a filha do dono. Além de se interessar pelos negócios televisivos da família, a moça costuma expressar opiniões próprias.
"Casos da Vida Real", novo programa diário da emissora, apresentado pela primeira vez anteontem, prometia algo como um palco movimentado por dramas de pessoas comuns "como eu e você" para citar o bordão elementar com que a apresentadora estreante pretende ganhar a confiança dos telespectadores.
Mas longe do bate-boca que movimenta outros programas do gênero, "Casos da Vida Real" fica mais perto das novelas importadas que passam antes e depois. O tempo é recheado com "enlatados" curtos de interesse social com cara de dramalhão mexicano.
O primeiro programa foi dedicado à Aids. Não trouxe informações novas ou dados recentes. Ao contrário, lidou com implicações morais da doença.
Duas esquetes dubladas de algum original de fala espanhola mostraram que a transmissão da Aids pode denunciar traições conjugais heterossexuais advertindo contra o adultério.
Uma senhora executiva entediada no casamento tem um caso de amor com um jovem hemofílico que transmite Aids a ela, e através dela, a seu marido. Punida com a solidão, ela sobrevive à morte dos dois.
Um morador dos Estados Unidos em visita à família em alguma cidadezinha católica na América Latina, contamina a mulher, a comadre e a jovem vizinha.
Sílvia fez três intervenções curtas, artificiais e decoradas. Ao final, um recado básico, ironicamente ausente dos dois programetes, que não abordaram prevenção: "fazer sexo sem camisinha é abusar da própria sorte".
No universo dos sorrisos afluentes, da distribuição de prêmios e da promoção de encontros amorosos de papai Silvio, a jovem herdeira lida com assuntos sombrios.
Versão barata e desprovida do tom testemunhal das performances religiosas que saturam a TV de nossos dias, "Casos da Vida Real" chega a ser constrangedor de tão primário.
O novo ano promete acirrada competição entre emissoras. A disputa ainda não produziu conceitos de programação capazes de se estabelecer. Enquanto não aparece substância, a TV não sai da lama.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

CASOS DA VIDA REAL. Quando: seg. à sex., às 17h, no SBT.


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