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"TEOREMA"
Obra-prima de 68 de Pasolini faz parábola sobre a crise burguesa
COLUNISTA DA FOLHA
Uma "maratona Pier Paolo
Pasolini" serve hoje de abre-alas para o relançamento de uma
das obras centrais do diretor italiano, "Teorema" (1968).
A seleção dos títulos da minirretrospectiva foi muito feliz, pois
traz o primeiro longa do cineasta,
"Accatone - Desajuste Social"
(1961), ambientado no sub-proletariado romano e ainda bastante
marcado pelo neo-realismo, e o
último, o radical e indigesto "Saló" (1975), amargo testamento de
um Pasolini enfurecido contra a
utilização do sexo como instrumento de opressão.
Entre um e outro, há "As Mil e
Uma Noites" (1974), última parte
da chamada "trilogia da vida", em
que cantava um erotismo gozoso
e libertador de outros tempos.
Mas vamos a "Teorema", realizado no ano crucial de 1968. Fazendo jus ao título, Pasolini realiza ali uma proposição lógica sobre a desagregação da família burguesa, "célula mater" da sociedade capitalista.
O filme começa pelo fim. Em
imagens em preto-e-branco que
simulam uma reportagem, discute-se à porta de uma fábrica o gesto do industrial que acaba de entregar a empresa a seus operários.
Seria um meio de evitar a revolução proletária? Agindo assim, a
burguesia desejaria transformar
os próprios trabalhadores em
burgueses? Corta.
A partir daí, "Teorema" entra
no registro da ficção para contar a
história da família do industrial,
como que para explicar o que o levou àquele gesto extremo.
A matriz do relato é a fábula do
forasteiro que chega a um lugar e
o desestrutura, colocando cada
membro da comunidade em crise
e ensejando um rearranjo.
O visitante em questão é um belo rapaz (Terence Stamp) que vai
passar uns tempos na mansão do
industrial Paolo (Massimo Girotti), nos arredores de Milão.
Com sua mera presença luminosa, o jovem, que passa o tempo
lendo Rimbaud e cujo nome não é
mencionado, seduz e faz amor
com todos os membros da família: a mãe, Lucia (Silvana Mangano), o pai, Paolo, e os filhos adolescentes Odetta e Pietro. A primeira a se entregar a seus encantos é a criada Emilia (Laura Betti),
a única proletária à vista.
Cada um deles sai profundamente transformado da experiência: uma vira santa, outro vira artista, outra fica catatônica, uma
terceira dá vazão a sua ninfomania reprimida, e o pai já sabemos
o que vai fazer -embora seu final, no filme, seja dos mais memoráveis e não mereça ser amesquinhado aqui com palavras.
Homossexual, católico e comunista, Pasolini sempre buscou o
profano no sagrado, e vice-versa.
Seu teorema pode ser lido como
uma parábola ao mesmo tempo
cristã e marxista, cujos momentos
epifânicos são banhados pelo
"Réquiem" de Mozart.
O visitante misterioso pode ser
tanto um Cristo redentor como
um anjo exterminador, pois o teorema profético de Pasolini repousa sobre um paradoxo: justamente quando a burguesia industrial,
ancorada na propriedade familiar, perde seu papel social, suplantada no capitalismo financeiro pelo capital sem nome e sem
rosto, todas as classes passam a viver de acordo com os valores e aspirações burguesas.
Se fosse um político, Pasolini
(1922-75) teria feito disso um tratado. Como era um artista visionário, fez um poema.
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Teorema
Teorema
Direção: Pier Paolo Pasolini
Produção: Itália, 1968
Com: Terence Stamp, Laura Betti
Quando: pré-estréia hoje, após
maratona com "Accatone - Desajuste
Social" (14h30), "As Mil e Uma Noites"
(17h) e "Saló, os 120 Dias de Sodoma"
(19h); estréia amanhã no Cinesesc
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