São Paulo, sexta-feira, 07 de janeiro de 2005

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"TEOREMA"

Obra-prima de 68 de Pasolini faz parábola sobre a crise burguesa

COLUNISTA DA FOLHA

Uma "maratona Pier Paolo Pasolini" serve hoje de abre-alas para o relançamento de uma das obras centrais do diretor italiano, "Teorema" (1968).
A seleção dos títulos da minirretrospectiva foi muito feliz, pois traz o primeiro longa do cineasta, "Accatone - Desajuste Social" (1961), ambientado no sub-proletariado romano e ainda bastante marcado pelo neo-realismo, e o último, o radical e indigesto "Saló" (1975), amargo testamento de um Pasolini enfurecido contra a utilização do sexo como instrumento de opressão.
Entre um e outro, há "As Mil e Uma Noites" (1974), última parte da chamada "trilogia da vida", em que cantava um erotismo gozoso e libertador de outros tempos.
Mas vamos a "Teorema", realizado no ano crucial de 1968. Fazendo jus ao título, Pasolini realiza ali uma proposição lógica sobre a desagregação da família burguesa, "célula mater" da sociedade capitalista.
O filme começa pelo fim. Em imagens em preto-e-branco que simulam uma reportagem, discute-se à porta de uma fábrica o gesto do industrial que acaba de entregar a empresa a seus operários. Seria um meio de evitar a revolução proletária? Agindo assim, a burguesia desejaria transformar os próprios trabalhadores em burgueses? Corta.
A partir daí, "Teorema" entra no registro da ficção para contar a história da família do industrial, como que para explicar o que o levou àquele gesto extremo.
A matriz do relato é a fábula do forasteiro que chega a um lugar e o desestrutura, colocando cada membro da comunidade em crise e ensejando um rearranjo.
O visitante em questão é um belo rapaz (Terence Stamp) que vai passar uns tempos na mansão do industrial Paolo (Massimo Girotti), nos arredores de Milão.
Com sua mera presença luminosa, o jovem, que passa o tempo lendo Rimbaud e cujo nome não é mencionado, seduz e faz amor com todos os membros da família: a mãe, Lucia (Silvana Mangano), o pai, Paolo, e os filhos adolescentes Odetta e Pietro. A primeira a se entregar a seus encantos é a criada Emilia (Laura Betti), a única proletária à vista.
Cada um deles sai profundamente transformado da experiência: uma vira santa, outro vira artista, outra fica catatônica, uma terceira dá vazão a sua ninfomania reprimida, e o pai já sabemos o que vai fazer -embora seu final, no filme, seja dos mais memoráveis e não mereça ser amesquinhado aqui com palavras.
Homossexual, católico e comunista, Pasolini sempre buscou o profano no sagrado, e vice-versa. Seu teorema pode ser lido como uma parábola ao mesmo tempo cristã e marxista, cujos momentos epifânicos são banhados pelo "Réquiem" de Mozart.
O visitante misterioso pode ser tanto um Cristo redentor como um anjo exterminador, pois o teorema profético de Pasolini repousa sobre um paradoxo: justamente quando a burguesia industrial, ancorada na propriedade familiar, perde seu papel social, suplantada no capitalismo financeiro pelo capital sem nome e sem rosto, todas as classes passam a viver de acordo com os valores e aspirações burguesas.
Se fosse um político, Pasolini (1922-75) teria feito disso um tratado. Como era um artista visionário, fez um poema.
(JOSÉ GERALDO COUTO)


Teorema
Teorema

    
Direção: Pier Paolo Pasolini
Produção: Itália, 1968
Com: Terence Stamp, Laura Betti
Quando: pré-estréia hoje, após maratona com "Accatone - Desajuste Social" (14h30), "As Mil e Uma Noites" (17h) e "Saló, os 120 Dias de Sodoma" (19h); estréia amanhã no Cinesesc



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