São Paulo, Quinta-feira, 07 de Janeiro de 1999
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Bresson


O cultuado fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson reúne em livro retratos feitos por ele ao longo de 60 anos de trabalho; a obra traz imagens de personalidades como Picasso, Ezra Pound e Bacon


JESUS DE PAULA ASSIS
especial para a Folha

Aos 90 anos, Henri Cartier-Bresson permanece difícil de ser situado. Fotojornalista ou artista visual? Fotojornalista, talvez, por jamais forçar poses, por se render ao instantâneo, sem ensaio. Artista visual, pelas composições perfeitas, pela obsessão geométrica. A mesma dificuldade pode ser apreciada em seu novo álbum, "Tête à Tête" (Cara a Cara), que traz uma coleção de retratos cobrindo 60 anos de atividade.
O livro foi editado pelo próprio fotógrafo, que arranjou as imagens por afinidades temáticas, e tem introdução do historiador e filósofo da arte Ernest Gombrich. Como é praxe, álbuns de fotografias sempre trazem textos de pessoas notáveis, talvez algo que denuncie um sentimento oculto de que a fotografia precisa de apoio intelectual, de que lhe falta autonomia.
Assim, seja um livro sobre fotos de futebol, de Carnaval ou sobre as luzes de São Paulo, lá estão invariavelmente os textos que rendem suposta seriedade ao álbum.
Neste caso, porém, o ensaio é realmente bem propositado, evita o caráter laudatório ou a teia de alusões inventada para emprestar firmeza às imagens.
Gombrich -um admirador de Cartier-Bresson, único fotógrafo a aparecer em seu conhecido livro introdutório "A História da Arte"- concentra-se no paradoxo do retrato: conhecer um rosto é conhecê-lo em movimento, é reconhecer um repertório de expressões.
Como pode uma foto, que capta um só momento, trazer a "expressão certa" do retratado? Alguns pintores e, entre os fotógrafos, Cartier-Bresson, obtêm esse custoso sucesso. E a raiz disso está em esperar pelo momento certo: "Até onde eu saiba, Cartier-Bresson sempre preferiu esperar pelo momento revelador", afirma Gombrich.
Exatamente como o faz um pintor ou desenhista. E desenho e pintura são duas áreas que Cartier-Bresson exerce até hoje, como mostram vários exemplos incluídos na introdução do livro.
Cartier-Bresson raramente faz mais de uma foto de um dado tema e, dessa forma, não se pode creditar o êxito à quantidade, o que é dominante no fotojornalismo. Outro dado é que ele emprega quase exclusivamente objetivas de 50 mm, o que o obriga, para o retrato, a estar a não mais de dois metros do retratado.
Assim, a essa distância, a pose é quase inevitável e, se as fotos não parecem posadas, não é porque o retratado se esforçou para se esquecer do fotógrafo nem porque outro evento desviara sua atenção e abrira uma brecha para a câmera.
Não, o resultado se deve exclusivamente ao observador, o que estende o paradoxo notado por Gombrich: fotos bem-sucedidas são as que capturam a "expressão certa", e essa expressão é, como tudo o que Cartier-Bresson faz, uma propriedade muito mais emprestada pelo olhar do retratista que presente no rosto do retratado.
O rigor de composição do fotógrafo é mais fácil de ver em suas imagens de paisagens (urbanas ou rurais) e nos momentos em que mostra grupos de pessoas. Nos retratos, ele aparece menos, mas pode ser notado nos enquadramentos, na inclusão de detalhes do ambiente, na captura de certos gestos emblemáticos. Na coleção, fica patente a importância desse rigor quando se constata que poucas das fotos seriam satisfatórias em termos, por exemplo, de foco ou de iluminação.
Picasso está evidentemente fora de foco (veja abaixo) e mal é visível parte dos rostos de Ezra Pound ou de Francis Bacon. E isso não faz a menor diferença. O que mostra que a grande fotografia repousa em outras bases, que não se trata de questão técnica (Cartier-Bresson usa uma câmera simples e raramente mede a luz) ou de quantidade. É "apenas" saber olhar.


Livro: Tête à Tête, fotografias de Henri Cartier-Bresson Lançamento: Bulfinch Press Quanto: US$ 65 Onde adquirir: na Internet (www.amazon.com)



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