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Nara em cores
Após reedição da fase "preto-e-branco", "Leão" traz os anos "coloridos" da cantora
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Agora a obra está (quase)
completa. Numa segunda
caixa cúbica de 14 CDs, simetricamente chamada "Leão" (a primeira era "Nara"), a Universal
termina de saldar sua dívida com
a memória do ícone Nara Leão
(1942-89). Após a reedição da fase
"preto-e-branco" da cantora, é a
vez dos sombrios anos "coloridos", entre 1977 e 1989.
Desta vez, é gente de fora que interfere na restituição da história
total da artista capixaba/carioca
que ajudou a fundar a bossa nova
e nunca se acomodou à própria
invenção. Roberto Carlos proibiu
a reedição da faixa "Quero Que
Vá Tudo pro Inferno", do LP de
78. O título original do disco, "E
Que Tudo Mais Vá pro Inferno",
também está vetado.
Profundamente religioso, há
pouco Roberto revelou que sofre
(e se trata) de obsessão compulsiva -assim se explicaria a repulsa
pelo termo "inferno", que ele próprio utilizou para elaborar, em 65,
um de seus maiores sucessos.
Seja como for, o disco fechado
de Nara não tem nada a ver com
isso. E fica profanada pelo próprio autor a homenagem que Nara prestara a ele e a Erasmo Carlos, numa época em que era plena
cafonice dar ouvidos à face romântica dos ex-ídolos iê-iê-iê.
Outro lapso da coleção, a falta
da faixa "Penas do Tiê" no disco
"Romance Popular" (81) deve-se
à pendente acusação de plágio sofrida pelo suposto autor, Fagner.
Fora tais incidentes, "Leão" oferece as últimas frestas de luz e a fase de sombra da mais participante
artista da fase heróica da MPB.
Começa por um apêndice, a trilha
do musical "Liberdade Liberdade" (66), que havia sido esquecida
da caixa anterior. Artisticamente
pífia, vale pelo documento, resgatando um dos mais furiosos libelos contra o regime militar.
Daquele momento até a chegada ao material de "Leão", Nara
encerrou sua luminosa fase "preto-e-branco", exilou-se, abandonou a carreira, voltou em 75 com
um LP de canções infantis e, divorciada do Brasil grande que sonhara, iniciou uma profunda jornada musical para dentro de si.
Começou pedindo canções inéditas a colegas de geração e filosofia, para o afinado disco de duetos
"Meus Amigos São um Barato"
(77). Invadiu a contramão do
"chique" com Roberto e Erasmo.
Para pagar tal "pecado", dedicou
"Com Açúcar com Afeto" (80) à
obra de Chico Buarque, que parecia um pedaço dela própria.
Beliscou o pop e a geração nordestina dos 70 no afiado "Romance Popular" (81) e cobiçou o pop e
a bossa desviante de João Donato
em "Nasci para Bailar" (82), nos
últimos flertes com o "inédito".
É que então Nara já estava plenamente envolvida com um tumor no cérebro que começara a se
manifestar já em 1979 e lhe provocava toda sorte de desconfortos.
Ao desconforto respondeu retrocedendo à substância que, recém-politizada, rejeitara já em
sua estréia em disco, em 64: a bossa nova. Após uma visita ao samba à moda de Paulinho da Viola
("Meu Samba Encabulado", 83),
fez três discos delicados de bossa.
E mergulhou ainda mais fundo,
gravando material para dois derradeiros discos de standards norte-americanos pré-bossa vertidos
para o português. Entranhas expostas, Nara morreu de câncer
em 89, ainda brigada com o Brasil.
Leão
Artista: Nara Leão
Lançamento: Universal
Quanto: de R$ 200 a R$ 250, em média
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