São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

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RODAPÉ LITERÁRIO

Uma sociologia das formas


Livro de Michael Löwy e Sami Nair apresenta ideias de Lucien Goldmann sobre sociologia e literatura


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

TORNOU-SE MOEDA corrente dizer que a crítica sociológica marxista é uma aplicação redutora de conceitos como alienação, infraestrutura e reificação à obra ficcional; que o artefato literário, submetido a tais categorias, seria deformado em mero reflexo de condições objetivas. Para reducionismo, reducionismo e meio. Tão risível quanto o "realismo socialista" -credo bolchevique formulado por Jdanov para confinar ideologicamente a escrita (e, não raro, os escritores)- é confundir o marxismo vulgar, por exemplo, com a complexidade de um autor como Lucien Goldmann (1913-1970).
O autor de "O Deus Escondido" é tema do livro "Lucien Goldmann ou a Dialética da Totalidade", de Michael Löwy e Sami Naïr. O volume inclui análises de seu pensamento, excertos, fragmentos de intervenções públicas e trechos de debates de Goldmann com Marcuse. A simples menção desse diálogo com um dos representantes do chamado "marxismo ocidental" e da Escola de Frankfurt (menos preocupados com a práxis do que com a compreensão da complexidade do capitalismo avançado) já é indício da sofisticação intelectual que o presente livro disseca.
A sociologia de Goldmann, explicam os autores, avança no repertório marxista e amplia, por exemplo, o conceito de "consciência possível" (Lukács), reiterando o papel do proletariado como única classe que conseguiria conceber formas de ultrapassar a reificação. Sua ênfase está na compreensão de categorias mentais, na relação entre visões de mundo e substrato social. O maior exemplo é "O Deus Escondido", deslumbrante estudo que mostra como o pensamento de Pascal e as tragédias de Racine radicam no jansenismo, e como essa corrente cristã de rejeição da vida mundana estava associada às vicissitudes de uma classe (a "nobreza de toga") que se viu no limbo durante o reinado de Luís 14.
O teórico romeno via a literatura menos como labor da escrita do que como formalização narrativo-argumentativa de visões de mundo historicamente determinadas -e por isso Barthes comentou que "a "forma" de Goldmann parece, paradoxalmente, deixar de lado "as formas", como se toda a especialidade literária do romance fosse esgotada por essa passagem do abstrato para a narrativa, em que Goldmann a faz consistir". Também é cabível dizer que os abismos de Pascal ultrapassam o solo social em que vicejaram e por isso nos atingem em sua universalidade.
São contestações possíveis, como também é possível perguntar, com Goldmann, o quanto há de ideológico nessas aspirações estetizantes e universalizantes -e na rejeição atual de teóricos que pensam a partir da materialidade da história.


LUCIEN GOLDMANN OU A DIALÉTICA DA TOTALIDADE
Autor: Michael Löwy e Sami Nair
Tradução: Wanda Caldeira Brant
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 43 (192 págs.)
Avaliação: ótimo



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