VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Torturas ao som de Beethoven indicam a perversão ilimitada de algumas passagens de "Laranja Mecânica" (62). Adaptado para cinema e teatro, o romance do inglês Anthony Burgess ganha nova montagem em palco nacional a partir de hoje, em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil.
O projeto envolve o elenco carioca de "Trainspotting" (2000), também romance, do escritor escocês Irvine Welsh, também alçado ao cinema, em 96, pelo britânico Danny Boyle.
Segundo o ator e co-produtor Pedro Osório, as duas obras questionam a sociedade e a natureza humana de formas distintas.
"O Mark de "Trainspotting" prefere ficar anestesiado em um mundo à parte, com as drogas, enquanto o Alex de "Laranja Mecânica" [apesar de também utilizar drogas" não tem tanta consciência e reage por instinto violento", afirma Osório, 26. Ele faz o papel do protagonista.
Alex lidera um grupo de jovens que vê mais criatividade em roubar, espancar e estuprar do que nos modelos oferecidos pela escola, governo ou igreja. Para convertê-lo, a sociedade recorre a métodos violentos, como submetê-lo a lavagem cerebral. A violenta trajetória do anti-herói que tem sensibilidade para a música expõe contradições do mundo atual e seu processo de desumanização. "A peça é atual por mostrar como tirar os sonhos, os desejos, e mecanizar a alma", diz Osório.
São 16 atores no elenco, incluídas participações especiais de Laura Cardoso, no papel de uma médica, e Lícia Magna, de 93 anos, que faz uma assassina.
A direção é de Paulo Afonso de Lima (de "Na Bagunça do Teu Coração" e "Tango, Bolero e Tcha-tcha-tcha"). A tradução, da crítica Barbara Heliodora. O espetáculo deve viajar para Rio e SP.
"Laranja Mecânica" foi montada em São Paulo em 92, com Marco Antônio Pâmio no papel de Alex e Olayr Coan na direção. No início dos anos 90, o brasileiro Ron Daniels, radicado em Londres, encenou a peça na Royal Shakespeare Company, com acompanhamento do próprio Burgess. No cinema, a versão de Stanley Kubrick estreou em 71.